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A era da inteligência artificial chegou ao jornalismo

por | fev 2, 2023

A tecnologia pode ajudar no desenvolvimento de produtos e processos dentro das redações, mas ainda são necessários debates éticos sobre seu uso 

 

A inteligência artificial (IA) está transformando o jornalismo e abrindo novas possibilidades para a cobertura de notícias. Algoritmos de IA podem processar grandes quantidades de dados e identificar padrões para apoiar a pesquisa jornalística e a escrita de histórias.

No entanto, a incorporação da IA no jornalismo também levanta preocupações sobre a precisão e a imparcialidade das notícias. Algumas ferramentas de IA foram criticadas por perpetuar a discriminação e a desigualdade, ao reforçar estereótipos e prejuízos.

Os dois parágrafos acima foram escritos pelo ChatGPT, um protótipo de IA especializada em diálogo criado pela OpenAI, laboratório estadunidense de pesquisas em inteligência artificial. O robô, que ainda está em fase de testes, respondeu ao pedido da redação da Ajor: “Escreva uma reportagem sobre inteligência artificial no jornalismo”. Leia a reportagem completa feita pela máquina:

Print de tela da interação da Ajor com o ChatGPT para esta reportagem

Nos últimos meses, empresas como a Microsoft e o Google anunciaram investimentos bilionários no aperfeiçoamento de ferramentas de inteligência artificial. Além disso, a disponibilização de protótipos abertos, como o ChatGPT e o Dall-E 2, massificou o uso da tecnologia em diversas áreas. Segundo relatório do Instituto Reuters, esta é uma das tendências do jornalismo e da mídia em 2023. Mas como a IA pode contribuir na produção jornalística?

Com o objetivo de mostrar os caminhos para o uso da tecnologia em redações, a assessoria especializada em inovação digital Prodigioso Volcan publicou, em janeiro de 2022, o guia “IA para jornalistas: uma ferramenta para explorar”, em parceria com a Fundação Gabo.

Segundo o relatório, o jornalismo pode se conectar com a IA de dois modos: ao cobri-la para promover os debates necessários sobre inclusão e direitos digitais; e ao utilizá-la como ferramenta de trabalho, otimizando os processos de produção de conteúdo.

Ao longo do material, é possível conhecer também a história do desenvolvimento da inteligência artificial e compreender termos básicos como automação, algoritmo e aprendizagem de máquina.

Como as redações podem usar a IA?

Para o jornalista, professor do Insper e fundador do estúdio de análise de dados Novelo Data, Guilherme Felitti, ainda há muita confusão sobre o que é automação e o que é inteligência artificial. Existem redações no mundo todo utilizando a automação de robôs para processar informações e criar notícias. “Tem uma startup americana que já vem fazendo isso há anos com resultados esportivos. Acaba um jogo e, em questão de minutos, o robô solta uma nota: ‘No jogo de beisebol de X contra Y, o X ganhou por 10 pontos a mais, o maior pontuador foi fulano’. O G1 também fez isso nas eleições municipais de 2020, em que foram criadas automaticamente notícias com os resultados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para centenas de municípios”. explica

Quando se fala de inteligência artificial, há um outro componente em jogo: ensinar a máquina a desempenhar funções complexas, para que sozinhas monitorem e gerenciem grandes quantidades de dados e encontrem padrões. Essa é a primeira utilização jornalística descrita pelo guia da Prodigioso Volcan.

“Um ótimo exemplo desse uso no jornalismo foi, em 2017, quando o Buzzfeed treinou um robô com dados do espaço aéreo americano e deu o comando para que fossem encontrados os aviões espiões. Assim, foram descobertos aviões desse tipo que não estavam nos dados abertos para o público. Isso poderia ser feito manualmente”, conta Felitti.

A IA também pode ser aplicada em processos de investigação e produção de conteúdos, transformando, por exemplo, áudios do Youtube de uma entrevista, discurso ou declaração em texto. Esse foi o ponto de partida para que o Aos Fatos, organização associada à Ajor, investigasse o discurso da Jovem Pan sobre os atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília. A partir da ferramenta Escriba, foram transcritas sete horas de programação da emissora.

Uma terceira utilização útil às redações é a de distribuição, como newsletter personalizadas ou a adaptação automática de conteúdo para diferentes formatos. É o caso da parceria entre o “The Times” e a plataforma Twipe. As organizações desenvolveram um produto que compila as notícias diárias do jornal em uma newsletter que muda de acordo com as características de consumo de informação de cada assinante.

Questões éticas

Em janeiro de 2023, o CNET, veículo americano especializado em tecnologia, se envolveu em um escândalo por publicar conteúdos inteiramente gerados pelo ChatGPT, sem informar aos seus leitores. “Agora uma investigação está mostrando que muitas dessas notícias têm erros, além de plágios de conteúdos feitos por humanos”, diz Felitti.

A propriedade intelectual e a privacidade são dois pontos primordiais do debate sobre o uso ético de ferramentas de AI. Muitos protótipos são alimentados por conteúdos reais, produzidos por uma pessoa. Quais seriam, então, os limites para a modificação de textos jornalísticos, fotografias ou ilustrações, por exemplo? Ou onde são armazenados estes dados e quem pode ter acesso a estas informações?

Felitti lembra também que toda aprendizagem de máquina tem uma “caixa-preta”. “O algoritmo cospe informações que ele acha interessante, mas nem sempre é fácil encontrar as explicações do porquê ele fez isso. É um erro achar que depois do algoritmo cuspir algo não haverá mais trabalho jornalístico envolvido”, defende.

Outro ponto de atenção é o uso de algoritmos que reforçam estereótipos e preconceitos. Uma pesquisa da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, mostrou que a IA exacerbou o racismo no campo imobiliário. O sistema de empréstimos de hipoteca cobrava taxas mais altas de negros e hispânicos do que de brancos para cessões iguais. Em 2020, uma inteligência artificial que funcionava como editor de textos do MSN, site de notícias da Microsoft, confundiu as duas artistas negras da banda Little Mix.

A computação pode realizar tarefas repetitivas, cotidianas que impliquem em calcular, priorizar, classificar, associar e filtrar, mas são os jornalistas que sabem quais são os temas de interesse público, como equilibrar fontes e quais os limites da privacidade e intimidade. Para Felitti, a diferença entre a máquina e o repórter é a capacidade de compreensão de contexto. E isso não pode ser substituído.

Veja alguns pontos-chave do uso da inteligência artificial, segundo o guia “IA para jornalistas: uma ferramenta para explorar”:

  • A IA não é uma tecnologia futurista e distópica: existe, funciona e ajuda no cotidiano de muitas empresas e usuários;
  • A implementação da IA ​​pode oferecer soluções reais para uma das grandes ameaças atuais: a verificação e rastreabilidade das informações disponíveis;
  • Em um mundo digital, no qual os algoritmos das grandes corporações decidem grande parte do que vemos, é fundamental saber como eles funcionam;
  • Um dos grandes desafios para uma implementação massiva será conseguir processos transparentes, revisáveis ​​e ajustáveis ​​para sua melhoria, além de abrir as caixas-pretas.

Foto: Fatos Bytyqi/Unsplash.