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Austrália pressiona Google e Facebook a pagarem por jornalismo. Seriam os EUA os próximos?

por | mar 16, 2022

Por Bill Grueskin | 9 de março de 2022

Publicado primeiro no Columbia Journalism Review.

SYDNEY – Há mais de doze anos a Comissão Federal de Comércio dos EUA patrocinou um workshop de título um tanto ameaçador: “Como o jornalismo vai sobreviver à era da Internet?”. A reunião incluiu figuras importantes, mas o grande nome da noite talvez seja familiar no mundo todo: Rupert Murdoch.

Ele usou o palco para protestar contra seus concorrentes digitais. “Nossos clientes são inteligentes o suficiente para saber que não se consegue nada de graça. Isso também vale para alguns de nossos amigos online. E, ainda assim, há pessoas que pensam que têm o direito de pegar nosso conteúdo de notícias e usá-lo como bem entenderem sem contribuir com um centavo para sua produção”.

Murdoch levou mais de uma década para atingir o sucesso apesar da oposição de alguns de seus “amigos” online – não nos EUA, onde tirou a cidadania, mas em sua terra natal, a Austrália. A mídia (incluindo a News Corp, de Murdoch) ajudou a convencer o parlamento australiano a aprovar uma lei que agora está obrigando o Facebook e o Google a pagarem quantias consideráveis, por vezes na casa das dezenas de milhões de dólares, às organizações de notícias cujas manchetes aparecem com frequência nas páginas das plataformas.

A legislação, conhecida como o Código de negociação da mídia noticiosa (the News Media Bargaining Code), permitiu que as organizações de notícias australianas faturassem mais de 200 milhões de dólares australianos (quase 150 milhões de dólares americanos) por ano desde que entrou em vigor. Como resultado, a Corporação de radiodifusão australiana (Australian Broadcasting Corporation), uma empresa pública, consegue colocar pelo menos 50 novos jornalistas em regiões mais carentes do país, enquanto o grupo McPherson, que publica jornais como o Yarrawonga Chronicle e o Deniliquin Pastoral Times, espera que o dinheiro vindo de empresas de tecnologia financie até 30% dos salários da Redação.  Monica Attard, professora de jornalismo em Sydney, diz que não consegue convencer muitos alunos a fazerem estágios hoje em dia porque é muito fácil conseguir empregos em tempo integral. A mudança coincide com essa quantidade de dinheiro que começa a jorrar com o Código: “Juro por Deus, não vejo nada assim há 20 anos”.

Agora, o Facebook e o Google (cujas empresas-mãe são a Meta Platforms Inc. e a Alphabet Inc., respectivamente) estão na defensiva à medida que mais países ponderam implementar suas próprias versões da abordagem da Austrália. O Canadá e o Reino Unido já estão se movendo para aprovar códigos semelhantes, enquanto autoridades da Indonésia e da África do Sul manifestaram intenção de fazer o mesmo. Nos EUA, o Congresso está procurando maneiras de fazer o Google e o Facebook pagarem por conteúdo exibido em suas plataformas, ainda que a legislação para apoiar o jornalismo local esteja, no momento, estagnada no próprio Congresso.

A Austrália parece ser um caso de sucesso para os que estão, há muito tempo, ansiosos por forçar que as grandes empresas de tecnologia ajudem a sustentar a crise financeira nas redações. Mas é um acordo ainda obscuro, com detalhes críticos guardados como se fossem códigos de lançamento nuclear.

Não é possível saber quanto dinheiro as plataformas pagaram para as organizações de notícias. Tampouco é possível saber se as redações estão gastando esse dinheiro para reforçar o jornalismo em vez de aumentarem os salários dos executivos. Converso com chefes de redação o tempo todo e nunca vi um grupo tão reticente em compartilhar detalhes de qualquer coisa relacionada aos seus negócios — graças a acordos de confidencialidade draconianos impostos pelas empresas de tecnologia.

As riquezas não se espalham de maneira igual. A SBS, uma das duas maiores emissoras públicas da Austrália, recebeu dinheiro do Google, mas foi inexplicavelmente excluída pelo Facebook. O Croakey Health Media, um site sem fins lucrativos que fornece informações valiosas sobre COVID e questões médicas indígenas, não conseguiu nada de nenhuma das empresas.

Nas palavras de um executivo da mídia de Sydney: “É como se um saco de dinheiro tivesse sido jogado na mesa, e as plataformas pudessem dizer: ‘Agora cale a boca’.”

Ainda assim, a Austrália – que tem uma população de pouco mais de 25 milhões de pessoas – conseguiu forçar as empresas de tecnologia a fazer algo que elas têm se esforçado para evitar: dar apoio financeiro às empresas de notícias sob pressão do governo. Durante anos, as plataformas conseguiram evitar todas essas regulamentações porque faziam doações para iniciativas que “soavam nobres” e tinham RP e lobby muito fortes. Mas a Austrália encontrou uma forma de driblar a situação graças a um astuto czar da concorrência, Rod Sims, e à natureza concentrada do mercado de mídia do país, entre outros fatores.

No cerne do Código está o argumento que Murdoch fez no workshop em 2009: o de que as empresas digitais lucram quando aparecem manchetes de jornalistas e trechos de notícias. E sim, é verdade que se você buscar em qualquer das duas plataformas por “Ucrânia” ou “COVID”, vai encontrar uma série de links e trechos escritos por empresas de notícias.

A resposta das empresas de tecnologia tem sido dupla: primeiro, defendem que os jornalistas precisam descobrir como podem se beneficiar com os visitantes enviados das plataformas para seus jornais, e que não é problema do Vale do Silício se eles não conseguem converter esse tráfego em publicidade significativa ou em novas assinaturas. E segundo, como observa o Google, uma redação que quer proteger seu conteúdo de pesquisas pode facilmente fazê-lo.

Há anos as empresas de mídia da Austrália vêm sofrendo com as mesmas tendências que assolam as redações em todo o mundo — queda da receita com anúncios, cortes no número de funcionários e fechamento de publicações. Nessa brecha entrou a Comissão Australiana de Concorrência e do Consumidor (Australian Competition and Consumer Commission), que regula tudo, desde propaganda falsa até preços de supermercado. Após meses de estudo e resmas de submissões de organizações de notícias e cidadãos, a ACCC determinou o que os jornalistas já sabiam: as empresas de tecnologia estadunidenses estavam levando centenas de milhões de dólares com anúncios que um dia foram pagos a empresas de notícias. E havia um desequilíbrio de poder entre as empresas de tecnologia e de jornalismo.

Para reforçar seus argumentos, as empresas de mídia alardearam suas próprias fraquezas. Em meados de 2020, a News Corp Australia declarou que “as plataformas digitais se tornaram um veículo padrão para muitos consumidores” e acrescentou que os trechos que acompanham as manchetes nas buscas “são mais propensos a resultar em um usuário que permanece dentro da plataforma digital, e não um que lê o conteúdo completo do editor”.

Os esforços fizeram com que surgissem, ao lado de Murdoch, aliados inesperados, como o Guardian, um jornal progressista que estabeleceu uma estratégia de “cabeças de praia” (beachhead) na Austrália em 2013. “Tínhamos que ter certeza de que éramos parte disso; não podíamos nos dar ao luxo de sermos excluídos”, disse Lenore Taylor, editora do Guardian Australia. Seu colega, o diretor Dan Stinton, acrescentou que “o Guardian, a News Corp, a Nine (uma grande emissora/editora), qualquer um que cuide de um negócio tradicional de publicidade depende do Google e do Facebook para o tráfego, e compete com eles no mercado de publicidade digital. Nós dependemos dessas plataformas para mais da metade do nosso tráfego”.

As redações encontraram um poderoso aliado em Rod Sims, o presidente da ACCC com mais tempo de cargo. Como ele disse em uma entrevista recente: “Embora o Facebook e o Google precisem de jornalismo, eles não precisam de nenhuma agência de notícias em particular.” Ao mesmo tempo, observou que “todas as empresas de mídia precisam do Facebook e do Google. O que eles fizeram foi encontrar uma forma de servirem de mediadores entre os jornalistas e as pessoas que querem ver o conteúdo — para seu próprio benefício financeiro, obviamente.”

“Há muitas falhas de mercado que não precisamos resolver”, diz Sims, economista por formação. “Mas esta, em específico, é muito importante porque afeta o jornalismo como um todo e, portanto, afeta a sociedade. O jornalismo é um bem público clássico: todos nos beneficiamos dele.”

A solução australiana foi muito inteligente. Em vez de tentar tributar as empresas de tecnologia, ou de impor uma taxa com base na violação de direitos autorais, os reguladores decidiram deixar as empresas de mídia negociarem com o Google e o Facebook — e se o Facebook ou o Google se recusassem a negociar, poderiam enfrentar sanções mais duras. E se uma empresa de notícias não conseguisse chegar a um acordo, poderia apelar para o secretário do Tesouro australiano, que poderia então “designar” a tarefa a uma das empresas de tecnologia, iniciando um processo incomum que poderia terminar com cada empresa enviando ofertas e um mediador aceitando uma delas. Então, se, digamos, o Sydney Morning Herald achar que merece 5 milhões de dólares por ano e o Google achar que deveria pagar 10 mil, o mediador terá que escolher um desses dois números. Sem negociação e sem dividir a diferença.

As empresas de tecnologia partiram para o ataque. O Google ameaçou retirar seu mecanismo de busca do país completamente, e começou a inserir popups com um sinal amarelo nas páginas, avisando: “A maneira como os australianos usam o Google está em perigo. Sua experiência de pesquisa será prejudicada pelos novos regulamentos.”

O Facebook foi além, retirando todas as notícias de sua plataforma para os australianos. Mas o trabalho foi tão bem feito que também acabaram removendo informações públicas sobre incêndios florestais e sobre o COVID-19, além de páginas de apoio para vítimas de violência sexual.  “Foi a pior coisa que eles poderiam ter feito”, lembra Bruce Ellen, gerente geral do Latrobe Valley Express, uma publicação semanal, e líder de uma associação regional de jornais. “Provocaram não só a mídia, mas o público em geral.”

A reação foi imediata dentro e fora da Austrália. As empresas de tecnologia perderam a batalha de RP, ainda que tenham conseguido algumas concessões importantes (em especial ao pressionarem contra o compartilhamento de informações sobre seus algoritmos e dados). “Nós enfrentamos os gigantes digitais”, disse Josh  Frydenberg, secretário do Tesouro da Austrália. “Não cedemos. Queremos que as regras do mundo digital repliquem as regras do mundo físico.”

Andrew Jaspan, jornalista de Melbourne com uma longa carreira na Austrália e no Reino Unido, tem uma visão mais mordaz: as empresas de tecnologia, diz ele, fizeram um “pacto faustiano” para desconsiderar a questão. “Se elas não a abafassem logo, isso poderia se espalhar pelo mundo. Então eles queriam encerrar a questão e tirá-la das discussões.”

As negociações

As empresas de tecnologia e a mídia começaram a negociar antes mesmo da aprovação da legislação. Há informação de que o Google concordou em pagar à Nine Entertainment Co. (que  controla um importante canal de televisão, várias estações de rádio, o Sydney Morning Herald e o The Age, em Melbourne) um total de 30 milhões de dólares australianos (cerca de 22 milhões de dólares americanos) ou mais, anualmente, por cinco anos; uma fonte estima que o valor total do acordo da Nine com as duas empresas de tecnologia foi de mais de 50 milhões por ano (cerca de USD 36 milhões). As empresas de tecnologia também concordaram em pagar à News Corp Australia pelo menos 70 milhões de dólares australianos (cerca de USD 50 milhões) como parte de um acordo maior, que inclui publicidade e outras negociações, de acordo com pessoas que têm conhecimento dos termos. Essa receita foi “um fator significativo” para a ampliação da redação australiana do Guardian, que passou de 70 para mais de 100 jornalistas no ano passado, dizem seus executivos. A PressGazette, do Reino Unido, estimou que a fatia do Guardian ficou em cerca de 5 milhões de dólares australianos (cerca de USD 3,5 milhões).

Editores menores negociaram sozinhos. O Country Press Australia, um grupo comercial que representa cerca de 160 jornais regionais, conseguiu permissão do governo para negociar coletivamente com as duas plataformas. Eu tive acesso ao contrato deles com o Google, que está repleto de requisitos de confidencialidade, e ele mostra que a empresa pagará aos jornais locais um valor aproximado entre 31 mil e 62 mil dólares australianos (USD 22 mil a USD 44 mil) por ano, dependendo do seu tamanho e de quantas notícias eles produzem.

Rod Sims estima o total pago desde que o código foi aprovado em mais de 200 milhões de dólares australianos, com base no que os editores lhe disseram. Nem o Facebook nem o Google foram “designados” pelo secretário do Tesouro, então não houve mediação.

Como não há transparência sobre quem está recebendo o quê, as organizações de notícias não sabem quanto devem pedir ou esperar. Não foram divulgadas métricas – como, por exemplo, visualizações de páginas ou número de repórteres – que as empresas de tecnologia usam para determinar quanto pagarão.

O Google diz que seus pagamentos são baseados em uma escala. A empresa analisa “quantos artigos de notícias” os sites estão produzindo, diz Richard Gingras (vice-presidente da área de notícias), bem como “suas audiências e o tamanho do mercado que estão servindo”.

Tal ambiguidade leva à “assimetria maciça de informação”, diz Stinton, do Guardian. “Fiz muitos acordos comerciais de mídia nos últimos 20 anos, e é muito raro que você chegue a uma posição de negociação sem ter praticamente nenhuma informação sobre a base que determina o pagamento.”

Misha Ketchell é editor do The Conversation, site sem fins lucrativos fundado em 2011 que convida acadêmicos para falar sobre atualidades. Ele foi um dos poucos chefes de redação dispostos a falar publicamente sobre como foram suas negociações.

Tanto o Facebook quanto o Google começaram com uma “ofensiva sedutora”, diz ele. “Havia muita discussão sobre os valores dos usuários, as formas pelas quais eles podem nos ajudar, como eles são especialistas, blá, blá, blá.” Mas, quando chegou a hora de falar em números, ele “entrou na discussão sem saber absolutamente nada… nenhuma noção de como o mercado está, onde está ancorado, os valores negociados em acordos anteriores, nada.”

O Google enfim ofereceu ao The Conversation o suficiente para financiar um ou dois jornalistas de uma equipe de cerca de 30. “E nós ficamos, tipo, isso é muito? Isso é um pouco? Não sei, porque tudo é totalmente opaco. Não há ancoragem no mercado, não há histórico desse tipo de negociação.” Ele aceitou o acordo, depois ouviu que algumas organizações de notícias de tamanho similar se saíram melhor, tentou renegociar e conseguiu um aumento modesto.

Por mais difícil que tenha sido, foi muito melhor do que as negociações com o Facebook. A conversa com eles também começou bem, Ketchell lembra: “Eles disseram coisas como, ‘Amamos The Conversation, vemos que você realmente tem valor.’ E então, a partir de um certo ponto, só disseram: ‘Não vamos oferecer nada.’ Sem explicação. Me parece literalmente apenas o cálculo de que ‘já pagamos muita gente, agora chega’.”

O mais curioso de tudo foi que o Facebook ignorou a SBS, uma grande emissora pública que cuida de operações de TV, rádio e online em toda a Austrália voltadas, em grande parte, para o público multilíngue e multicultural do país. A SBS depende muito do financiamento do governo, assim como o ABC, que conseguiu um acordo com o Facebook. Então, por que a SBS não conseguiu nada? James Taylor, o diretor, não faz ideia. Como ele declarou a uma comissão parlamentar  no ano passado, “o Facebook não nos deu clareza quanto à sua lógica de não entrar em um acordo conosco. Tentamos obter uma resposta nesse sentido. Ainda estamos um pouco no escuro.”

Frydenberg, secretário do Tesouro na Austrália, não parece ansioso para forçar a designação sobre a recusa com a SBS: “Embora eu mantenha o poder de iniciar o processo de designação caso os desenvolvimentos a justifiquem, eu pediria que ambas as plataformas continuem negociando amigavelmente”, disse ele em uma resposta por escrito às perguntas.

O Facebook não respondeu quando solicitado a falar de casos individuais. Gina Murphy, uma porta-voz, declarou em um email que, como o Facebook não foi designado, “a lei não se aplica ao Meta”. Ela também mencionou um investimento de 15 milhões de dólares australianos, feito nos últimos três anos, em jornalismo australiano, algo separado do Código.

A recusa das empresas de tecnologia em pagarem ou negociarem com alguns sites significa que o secretário do Tesouro do país terá que decidir pela designação e, possivelmente, pela mediação. Melissa Sweet, editora-chefe da Croakey Health, diz que vai pedir aos reguladores para “obrigá-los a negociar conosco”. Mas ela não está otimista. “Não temos esse poder político.”

Quando o Google e o Facebook fazem ofertas, eles têm o cuidado de garantir que elas não sejam enquadradas como pagamento por links ou cliques. Para contornar isso, eles posicionam esse dinheiro como uma compensação por participar da seção de Notícias do Facebook, ou algo chamado “Google News Destaques” (os destaques do Google Notícias), que seria uma coleção das três chamadas principais que os editores dos sites de notícias montam, em geral, duas vezes por dia.

Esse Destaques é um veículo incomum. Muitos australianos nunca ouviram falar disso. Os editores fazem avaliações diversas sobre a quantidade de tráfego que isso gera. Um porta-voz do Google diz que o Destaques não reflete tanto assim as visualizações de páginas; ele reflete “o impulsionamento, o engajamento e o aprofundamento dessa relação com os leitores.”

Mas para pequenas organizações de notícias, postar várias histórias por dia, sete dias por semana, pode ser um esforço grande demais. “Essa é uma tarefa impossível a menos que você coloque um monte de porcaria em seu site”, diz Matt Nicholls, que edita e escreve a maioria do conteúdo do Cape York Weekly, em Queensland. “Nós não trabalhamos sob esse tipo de ciclo. Notei que outros jornais estão colocando notícias que jamais publicariam em suas edições impressas para atingir a essas metas.” Nicholls tem razão. Um jornal de Victoria recentemente publicou conteúdo patrocinado sobre dentaduras no Destaques.

Para as empresas que conseguiram um acordo, porém, o Destaques é só um pequeno inconveniente, dado o fluxo de caixa. “Está longe do ideal”, diz Stinton, do Guardian, “mas foi um resultado pragmático. Ficamos satisfeitos com o número de manchetes solicitadas, e então nós dissemos ‘ok, dá para seguir nestes termos’.” Taylor, editor do Guardian, diz que os fundos vindos das empresas de tecnologia “fizeram uma diferença muito, muito grande para a redação” – permitindo, por exemplo, que o site dobre suas ofertas de áudio e reforce a cobertura para além das grandes áreas metropolitanas da Austrália.

Bruce Ellen, da Country Press Australia, diz que tinha que haver algum mecanismo de pagamento. “Vários jornais queriam abordar as empresas de tecnologia alegando que elas deveriam nos dar dinheiro sem exigir nada em troca. Isso nunca iria acontecer. Tem que haver uma negociação comercial onde todos se beneficiam.” No caso do Facebook, isso significava um “fundo de inovação” para seus membros, de extensão e quantidade não revelados.

Não há dúvida de que a ameaça da mediação, em que uma redação poderia exigir um número extraordinariamente alto e esse valor ser aprovado, forçou as empresas de tecnologia a negociar. E eles vão devolver essa ameaça com força se forem designados e mediados. O Facebook está tão preocupado que, de acordo com vários chefes de redação, a empresa disse que seu acordo terá que ser renegociado se forem designados. Um representante do Facebook se recusou a comentar a declaração.

É possível fazer o mesmo em outros países?

O governo australiano está prestes a começar uma revisão do Código. Enquanto isso, Rod Sims está deixando o cargo e espera-se que a nova chefe da comissão de competição seja Gina Cass-Gottlieb, uma advogada altamente conceituada que trabalhou para Lachlan Murdoch, filho de Rupert, e também foi gestora do patrimônio da família Murdoch. Ela também fez muitos trabalhos para a Nine, outra gigante da mídia australiana. Cass-Gottlieb disse recentemente que planeja “encerrar sua carreira autônoma e renunciar a quaisquer posições que possam impactar sua capacidade de atuar neste novo cargo”, de acordo com a Australian Financial Review. O secretário do Tesouro Frydenberg me disse que está certo de que Cass-Gotlieb “cumprirá suas obrigações legais e o fará de forma justa e imparcial”.

Enquanto se prepara para deixar o cargo, Sims tem recebido ligações de legisladores e reguladores em todo o mundo – incluindo do Congresso americano. Ele diz que os benefícios do Código superam, em muito, as desvantagens, e estima que as empresas que empregam pelo menos 90% dos jornalistas australianos já fizeram acordos. Ele não está preocupado com a opacidade do sistema na Austrália. “O objetivo nunca foi aumentar a transparência”, ele me disse. “O Código está sendo criticado por não alcançar coisas que nunca teve a intenção de alcançar. O que queríamos era justiça e poder de barganha. Se acordos são feitos e as empresas de mídia estão felizes com eles, então o Código é um sucesso.” Frydeberg concorda, dizendo que a confidencialidade é comum em negociações comerciais, e acrescentando que “as organizações de notícias australianas entraram voluntariamente nesses acordos e ficaram felizes com eles”.

Talvez. Mas também é possível que funcionários e executivos estejam subestimando os problemas que envolvem o sigilo do Código. Não estamos falando de simples acordos comerciais. O governo está profundamente envolvido, e Sims foi o primeiro a notar que esses acordos não estariam acontecendo sem as disposições de execução do Código. Dado o papel do governo, os cidadãos têm o direito de saber quanto as empresas de tecnologia estão pagando e como estão decidindo quais empresas de mídia pagar ou ignorar. A reticência das empresas de notícias também não tem sido especialmente nobre. Os jornalistas, que trabalham com base na honestidade dos outros, estão pegando baldes de dinheiro do Google e do Facebook de uma maneira que ajuda a tecnologia a evitar uma regulamentação mais dura. Mas também estão concordando com manter esses acordos em segredo.

Enquanto isso, o Google e o Facebook enfrentam uma questão muito maior: Agora que abriram as portas na Austrália, como podem evitar realizar as negociações infinitas e os bilhões em pagamentos que virão em mercados no resto do mundo?

O Canadá pretende dar início a uma legislação semelhante “o mais rápido possível”, segundo o ministro do patrimônio, Pablo Rodriguez. Espera-se que a estrutura se assemelhe muito ao código da Austrália, mas Rodriguez promete “mais transparência”. Paul Deegan, executivo-chefe da News Media Canada, que representa quase 600 editores de notícias impressas e digitais, diz que “há unanimidade entre nossos membros em termos da necessidade de legislação inspirada no que foi feito na Austrália”.

No Reino Unido, as autoridades estão desenvolvendo um código que regulamentaria a relação entre plataformas como Google e Facebook, e terceiros, incluindo editores de notícias.

A União Europeia ampliou as proteções de direitos autorais para editores de notícias, exigindo que as plataformas de tecnologia paguem para exibir qualquer coisa além de uma URL básica. A lei foi testada pela primeira vez na França, onde o Google está recorrendo de uma multa de 500 milhões de euros por não negociar de boa-fé com os editores.

Nos EUA, os esforços das negociações foram liderados pela senadora Amy Klobuchar, uma democrata de Minnesota. Seu projeto de lei permitiria que os editores negociassem coletivamente com as plataformas de tecnologia, mas ficou faltando o elemento de mediação, que é o mecanismo de coerção no modelo australiano. Mas o sistema da Austrália tem seus críticos nos EUA. Um deles é Hal Singer, diretor administrativo da Econ One Research, que testemunhou no mês passado perante um subcomitê do Senado acerca do futuro das notícias locais. “O Código deu dinheiro demais para as grandes empresas de mídia”, disse ele em uma entrevista. “Isso enfraqueceu a coalizão e deixou os ‘pequenos’ em uma posição de negociação mais vulnerável em relação às plataformas.”

Um porta-voz do Google me disse que “de maneira geral, a solução que encontramos na Austrália é uma solução que funciona para nós”. Isso porque lá nenhuma empresa foi designada ou forçada à mediação. Ainda assim, o Google não quer ver o tipo de intervenção australiana em seu mercado doméstico. Em um arquivo divulgado pelo Sydney Morning Herald, a empresa disse aos reguladores dos EUA que o código da Austrália “não deve ser replicado”. A gigante de tecnologia também alertou que “os principais beneficiados de um código desse tipo seriam um número pequeno de provedores de mídia que estão na ativa, o que acabaria por sufocar a diversidade de mídia”.

Mas as empresas de tecnologia têm um problema: como explicar a adesão às regras australianas e continuar lutando contra um acordo semelhante nos EUA ou na União Europeia? Eles sabem, no entanto, que se a ideia se espalhar, seu ônus será muito mais complexo e caro.

A Austrália não é um grande mercado, mas o Facebook e o Google se viram negociando com dezenas de sites de notícias. Imagine fazer o mesmo nos EUA, cuja população é 13 vezes maior e cujo mercado de mídia é muito mais complexo? Se extrapolarmos a experiência das empresas de tecnologia para os EUA, elas acabariam pagando quase 2 bilhões de dólares americanos (2,6 bilhões de dólares australianos) por ano a organizações de notícias estadunidenses.

E há outras complicações. Suponhamos que um país mais repressivo exija que as empresas de tecnologia façam esses pagamentos; como essas empresas responderiam? Ou: o que o Google e o Facebook farão se forem obrigados a pagar meios de comunicação estatais sujeitos a caprichos e fantasias dos seus líderes?

Cenários alternativos para realocar dinheiro das empresas de tecnologia para as de notícias têm seus próprios problemas. Joshua Benton, do Nieman Lab, entre outros, defende a criação de um imposto sobre a receita das empresas de tecnologia. Isso geraria bilhões de dólares. Também colocaria em questão como esse dinheiro seria desembolsado, e quem decidiria fazê-lo. Ter uma agência governamental ou um comitê escolhendo vencedores e perdedores entre as organizações de notícias levantaria questões difíceis no que diz respeito a justiça e independência.

Por fim, alguns temem que a nova receita construa uma relação de dependência preocupante entre as organizações de notícias e as empresas de tecnologia. “E se o Google decidir que é um mau negócio para eles?”, pergunta Nicholls, o editor do Cape York Weekly. “Se você precisa de financiamento do Google para sustentar seu jornalismo, para manter seus jornalistas empregados, esse não é um negócio sustentável.”

A pesquisadora Tess Orrick contribuiu para este relatório. O Instituto Judith Neilson, em Sydney, deu suporte a Bill Grueskin por seu trabalho nesta história.

Bill Grueskin faz parte do corpo docente da faculdade de jornalismo de Columbia. Ele foi editor fundador de um jornal na Reserva Indígena Standing Rock Sioux, editor local do Miami Herald, editor-chefe adjunto do Wall Street Journal e editor executivo da Bloomberg News. É formado pela Universidade de Stanford (Letras clássicas) e pela escola de estudos internacionais da Johns Hopkins’s (Política externa e Economia internacional dos EUA).

Tradução por: Gabriela Fróes