Como a educação midiática pode ajudar o jornalismo a formar audiências mais críticas

Coordenadora do Educamídia, a jornalista Daniela Machado dá dicas de como as redações podem colocar em prática conceitos da disciplina em suas coberturas

As eleições no Brasil acenderam o alerta de jornalistas para o aumento de informações falsas compartilhadas nas redes sociais. Além da checagem de fatos, as redações vêm apostando em metodologias de educação para combater a desinformação nos ambientes digitais e formar leitores mais críticos durante o processo.  

Com o objetivo de capacitar comunicadores e veículos para este objetivo, a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), o Instituto Palavra Aberta e o TikTok lançaram o projeto “Educação Midiática – o que é e porque importa”. Durante o mês de setembro, a iniciativa ofereceu uma série de quatro oficinas, direcionadas a grupos que são peças fundamentais no ecossistema da informação digital e no combate às informações falsas: jornalistas, organizações da sociedade civil, jovens usuários e criadores de conteúdos. 

Os treinamentos foram desenvolvidos pelo EducaMídia, programa do Palavra Aberta criado com o objetivo de engajar a sociedade no processo de educação midiática. Na última quarta (14), mais de 80 jornalistas de organizações associadas à Ajor e de outras empresas de mídia participaram da sessão “Jornalismo e educação midiática – como construir audiências críticas”, ministrada por Daniela Machado,  jornalista e coordenadora do EducaMídia. 

A apresentação pode ser acessada neste link.

A Ajor conversou com Machado sobre a importância da educação midiática para o combate à desinformação no Brasil e como as redações podem utilizar os conceitos-chave da disciplina para produzir conteúdos que aproxime os leitores das notícias e dos processos jornalísticos. Responsável pelos conteúdos do Educamídia, a jornalista tem 20 anos de experiência como repórter e editora em grandes veículos de comunicação e é fundadora do reZOOM, plataforma de curadoria de notícias e educação para a informação.

1) Por que é importante discutir a educação midiática no Brasil de hoje?

A educação midiática diz respeito a um conjunto de habilidades essenciais para que todos nós possamos participar plenamente da sociedade conectada, entendendo o potencial e os desafios de consumir e produzir informações. Esse olhar mais crítico e responsável com as informações sempre foi importante, mas ganha ainda mais relevância hoje em dia, diante da superabundância de conteúdos que estão ao alcance de um clique. Como sabemos, a internet — e, em especial, as redes sociais — revolucionaram a maneira como nos comunicamos, abrindo a possibilidade para que todos se tornassem também produtores de conteúdo (e não apenas consumidores, sem muita voz). Esse cenário é extremamente poderoso, mas também desafiador, pois conteúdos de qualidade convivem lado a lado com outros pouco ou nada confiáveis.

2) Como esta disciplina está relacionada com o jornalismo? 

A educação midiática conecta-se de diversas formas com o jornalismo. Entre as habilidades que se espera desenvolver com a educação midiática está o entendimento do papel e da importância da imprensa. Com o news literacy, espera-se que a população possa reconhecer o processo jornalístico como fundamental em uma democracia. Costumo lembrar que, apenas algumas décadas atrás, havia poucas opções para nos informarmos: alguns jornais, revistas, emissoras de rádio e TV faziam uma comunicação “de poucos para muitos”. Atualmente, a oferta é gigantesca — o que pode ser muito rico por trazer novas perspectivas e vozes para o debate, mas também exige que todos nós sejamos capazes de distinguir um conteúdo produzido com cuidado, responsabilidade e autoria clara de uma mensagem que simplesmente “brota” no grupo de WhatsApp. Nesse novo contexto, os jornalistas precisam “abrir a cozinha” e estabelecer uma relação ainda mais transparente com a audiência. É uma questão de sobrevivência da atividade: se não pudermos contar com uma audiência qualificada, que entenda a relevância (e até os limites) do jornalismo profissional, ficaremos ainda mais vulneráveis a fenômenos como o das fake news. É importante destacar que não se trata de fazer uma defesa incondicional do trabalho jornalístico. É claro que a audiência pode (e deve) analisar ou mesmo criticar este ou aquele material produzido pela imprensa. Mas, até para que as críticas sejam mais assertivas, é preciso conhecer e entender como o jornalismo é produzido. Também é essencial que a sociedade entenda que criticar uma ou outra produção faz parte do jogo, mas não podemos demonizar o jornalismo como um todo, enquanto instituição que tem papel fundamental na democracia.

3) Como os jornalistas podem incluir conceitos da educação midiática nas suas coberturas?

Há iniciativas relativamente simples que já podem ajudar a audiência a entender melhor a atividade jornalística. Por exemplo, evitar jargões, explicar com o máximo de transparência a jornada para conseguir as informações publicadas e até mesmo os limites de uma cobertura (o que não foi possível apurar e por quê). Outras ações podem parecer mais complexas, mas considero essenciais, como a construção de pontes entre o jornalismo e as escolas e a aproximação do público jovem. Trabalhos como o de checagem de informações também já caminham na direção da educação midiática, deixando claro para o público como o jornalista verificou uma informação, quais dados ou documentos foram consultados e como aquela determinada informação foi construída. Mas talvez esse contato com a audiência possa ser exercido com mais intencionalidade.

4) Quais as fontes para um jornalista que quer saber mais sobre o tema?

Há diversas instituições ligadas à educação midiática que podem entrar no radar dos jornalistas. A Unesco tem um trabalho bem interessante de letramento informacional (recomendo, em especial, o documento “Media and Information Literacy in Journalism“). Aqui no Brasil, o EducaMídia (programa do qual faço parte) é uma das referências em materiais que podem apoiar os jornalistas interessados em educação midiática. Também é importante que os jornalistas estejam atentos a projetos desenvolvidos por veículos de comunicação em diversas partes do mundo com foco em crianças e jovens estudantes — The Economist e The New York Times são alguns dos muitos exemplos. Aqui no Brasil, há veículos que também olham com bastante atenção para educadores e estudantes, como o projeto Ler e Pensar, Folha na Sala e Estadão na Escola, por exemplo.

Imagem: Compare Fibre/ Unsplash

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