Énois lança primeira etapa do projeto Mapa do Jornalismo Local

Iniciativa sistematiza iniciativas de jornalismo que atuam para democratizar o acesso à informação em seus territórios

Aconteceu na última semana o lançamento oficial do Mapa do Jornalismo Local, projeto da Énois que mapeou 140 iniciativas de jornalismo local e periférico  com o objetivo de ajudar a difundir e democratizar o acesso à informação e cultura nos municípios. 

Inicialmente, a pesquisa focou nas 39 cidades que compõem São Paulo e a Região Metropolitana.  Esta etapa foi realizada com apoio do Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais da Prefeitura de São Paulo (Promac) e com patrocínio, via lei de incentivo, da Meta, Marsh McLennan e MN Tecidos.

Para construir o arquivo,  quatro jovens pesquisadoras, comunicadoras e moradoras de territórios periféricos, se debruçaram para levantar os dados dos veículos jornalísticos e de difusão cultural: Ana Cristina da Silva Morais, Katia Flora dos Reis, Ariane Costa Gomes e Jessica Suellen Palmeira Silva. Toda a pesquisa foi realizada de maneira virtual seguindo três etapas: levantamento de iniciativas, aprofundamento das informações sobre elas, checagem e validação dos dados.

Os resultados da investigação estão disponíveis na plataforma do projeto, que permite que o leitor navegue pelas iniciativas mapeadas e acesse o relatório completo de dados.

Jornalismo local e hiperlocal

A definição do que é jornalismo local é alvo de discussões dentro do meio acadêmico e profissional, uma vez que o termo transpassa por aspectos geográficos, históricos e sociais que precisam ser levados em consideração.

Nesta pesquisa, a Énois optou por identificar dentro dos municípios as “zonas de calor”, ou seja, regiões onde existem iniciativas de jornalismo e comunicação que atuam para servir ao território.

Para isso, a organização levou em conta a classificação da pesquisadora Sonia Aguiar no livro Territórios do Jornalismo: “iniciativas entre as quais a proximidade espacial e identitária aparecem como determinantes dos conteúdos divulgados”.

Para a construção do mapa, foram consideradas iniciativas de jornalismo, por exemplo, canais de whatsapp, grupos de Facebook e outras formas e linguagens que, além de atenderem aos critérios jornalísticos, também estabelecem um vínculo com suas comunidades.

“O que a gente mais consegue observar em termos de inovação, quando ampliamos esse espectro sobre o que consideramos jornalismo, é que há uma uma extensa experiência de distribuição da informação para seu público/audiência”, explica Nina Weingrill, cofundadora da Énois e uma das responsáveis pelo projeto.

 “Essas iniciativas, por estarem inseridas num território e em contato direto com o público, que são as pessoas que moram neste espaço, desenvolvem estratégias importantes de relacionamento. Isso cria um vínculo importante e um canal de escuta que boa parte dos veículos de comunicação tradicionais e mesmo independentes não possuem. Para o jornalismo local, o território é o que define muita coisa, desde a pauta até a forma de financiamento, como é o caso da articulação com o comércio local”, completa.

O foco na cobertura cultural

O projeto buscou identificar iniciativas de jornalismo e jornalismo cultural nos bairros com menor cobertura de imprensa dentro dos municípios. Estes territórios estão, em grande parte, situados em zonas periféricas das cidades, com menor acesso a direitos básicos e políticas públicas que atendam às demandas locais.

“Muitos veículos são criados para divulgar e cobrir manifestações culturais dessas regiões, então mapeá-los também é uma forma de valorizar esse movimento. Especialmente num período onde o financiamento da cultura está em disputa”, explica Nina.

Das 140 iniciativas mapeadas, 111 (96,40%) fazem a cobertura de temas relacionados à cultura local. Conteúdos sobre músicos locais, agenda cultural e festivais são os mais comuns. 

Em relação aos formatos de distribuição, 75,71% das iniciativas utilizam plataformas digitais como segmento principal de atuação, sendo que a presença nas redes sociais com perfis, páginas ou grupos são as principais estratégias para a distribuição dos conteúdos jornalísticos nas áreas periféricas. Em seguida estão as iniciativas impressas (12,86%) e as rádios (10,71%).

Outro ponto abordado pela pesquisa foi a sustentabilidade financeira das iniciativas. Das 108 organizações que responderam a esta parte do estudo, 62,96% informaram que conseguem recursos de alguma maneira. A venda de anúncios aparece como a principal fonte de geração de receita, seguido de doações, campanhas de financiamento coletivo e editais de fomento. Cerca de 37,04% produzem conteúdo sem qualquer incentivo financeiro externo, muitas vezes investindo recursos próprios. 

Os entraves e as soluções

Se por um lado as plataformas digitais ajudaram a democratizar as iniciativas de comunicação, elas também ampliaram o alcance e o impacto  da desinformação. Das 470 iniciativas mapeadas inicialmente pelo projeto, apenas 29% passaram nos critérios de pesquisa, que considerou canais cujo foco e trabalho eram trazer informação confiável e de qualidade para o morador de sua região.

“Há um cenário de abundância quando falamos de mídias que se propõe a cobrir um território específico. No entanto, quando vamos avaliar esses veículos de acordo com critérios jornalísticos, acabamos por entender que boa parte está vinculada a políticos ou partidos, ou então apenas reproduz conteúdos publicados em outros canais. E não necessariamente possui um trabalho de apuração e checagem”, explica Nina.

Outro aspecto identificado foi o de que 48% dos fundadores e lideranças dessas iniciativas não tinham formação específica em jornalismo.  Segundo a jornalista, o dado mostra a necessidade de desenvolver de programas para a qualificação destes profissionais, com o objetivo de ampliar o escopo de atuação e impacto dos veículos: “Essa qualificação vai desde princípios básicos sobre comunicação e jornalismo até estratégias de gestão e financiamento. Diria que, no contexto desse recorte (39 municípios de SP), o maior desafio é o acesso a esses tipos de oportunidades”, completa. 

Próximas etapas

Os próximos levantamentos do Mapa trarão dados das 11 capitais das regiões Norte e Centro Oeste do país. “É muito importante que a gente consiga reconhecer, enquanto campo, que o jornalismo está acontecendo no Brasil a partir de visões de mundo muito diferentes, empurrando as margens e significados do jornalismo. Visibilizar essas iniciativas faz parte desse esforço da Énois para encontrar caminhos para que o jornalismo exista na sua diversidade e potência”, afirma Nina. 

A Énois realizará mais cinco eventos, organizados por coletivos que participaram do mapeamento,  para apresentar a sistematização do projeto. Também é possível ter acesso a outros recortes da pesquisa, além de depoimentos das organizações que participaram, assinando a newsletter “Diversa”.

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