Guia básico de financiamento do jornalismo digital brasileiro

Um dos principais desafios do jornalismo digital é a sustentabilidade financeira. Com o processo de descentralização do acesso à informação, grandes veículos de mídia encaram uma crise sem precedentes em seus modelos de negócio enquanto organizações independentes enfrentam dificuldades para diversificar suas fontes de receita.
Este guia, fruto de uma parceria entre a Ajor (Associação de Jornalismo Digital) e a Repórter Brasil, reúne dicas para organizações de jornalismo que estão em busca de recursos oferecidos por organizações filantrópicas. Seja para lançar sua iniciativa, desenvolver projetos inovadores, abrir novas frentes de atuação ou para diversificar as fontes de receitas.
Além das dicas, a Ajor e a Repórter Brasil mapearam 38 organizações que têm potencial para financiar projetos e organizações brasileiras. Essa relação de financiadores é inédita no Brasil e esperamos que funcione como um norte tanto para as novas quanto para as já estabelecidas organizações de jornalismo digital.
Para desenvolver esse material, conversamos com membros de organizações que apoiam o jornalismo no Brasil (e no mundo) e também com lideranças de iniciativas que têm experiência no trabalho em parceria com fundos filantrópicos. No Festival 3i Nordeste, em novembro de 2022, a Ajor também organizou uma mesa sobre sustentabilidade no jornalismo, em que representantes de filantropias falaram das suas relações com iniciativas jornalísticas. Vale assistir.
Este é um documento vivo, que poderá ser atualizado com o tempo, e é o primeiro de uma série de recursos que devem ser lançados para as associadas no próximo período.
Boa leitura!

1. Noções iniciais

Para facilitar a compreensão do guia e do ecossistema de financiamento do jornalismo, estes são os termos que você deve ter em mente.

Existem diferentes tipos de recursos financeiros para o jornalismo: receita recorrente, como assinaturas e crowdfunding; receita publicitária, como anúncios ou conteúdos patrocinados; e receitas de doação. Embora qualquer pessoa física ou jurídica possa fazer uma doação, este guia vai focar nas doações feitas por organizações filantrópicas. Os tipos de recursos doados sobre os quais falaremos são:

Semente: recurso inicial para a criação de um novo veículo.

Institucional: recurso para viabilizar a operação do veículo.

Projeto: recurso para realização de projetos específicos.

Micro-apoio: pequenos repasses pontuais, como pagamento de passagens aéreas para realização de reportagem ou participação em eventos.

As organizações filantrópicas fazem essas doações de diferentes maneiras: por meio da abertura de editais, quando é feito um convite para que veículos apresentem projetos, normalmente com prazo, valor e formato determinados; por meio de identificação direta, quando organizações filantrópicas buscam ativamente projetos ou veículos para apoiar; ou atendendo a pedidos diretos, quando mantêm as portas abertas para receber projetos, sem necessariamente indicar prazo ou formato para a submissão.

2. Dando match: como encontrar o financiador ideal?

Impacto, alinhamento entre objetivos estratégicos das duas organizações e uma boa primeira impressão. Essas são a chave do sucesso para que uma iniciativa ou projeto jornalísticos sejam financiados por organizações filantrópicas. E quem pode dar um ‘start’ nesta parceria entre organizações, ao contrário do que se costuma pensar, nem sempre é a figura do captador de recursos. Conhecer profundamente o trabalho jornalístico ou os projetos para os quais se busca apoio financeiro é o segredo para ter sucesso nessa jornada, segundo especialistas ouvidos pelo guia. E normalmente quem sabe tudo o que está acontecendo dentro da organização é o fundador ou seus coordenadores/editores.

“Eu acho que os bons veículos têm muita clareza do que eles realmente sabem fazer bem”.

Natasha Felizi

Com essa clareza, é mais fácil encontrar financiadores que estejam alinhados com objetivos do veículo ou do projeto que se pretende criar. Uma das moedas de troca que organizações filantrópicas buscam ao doar dinheiro para veículos ou projetos é impacto no campo em que atuam. Ou seja, capacidade de interferir na realidade por meio da doação.

“Eu acho que se eu pudesse dar só uma dica pra qualquer pessoa que busca um financiamento, a dica seria: 'pergunta pro financiador em quais áreas ele atua'. O financiador não é um caixa eletrônico, em que você aperta os botões e sai dinheiro para o seu projeto. Na verdade, o financiador é uma pessoa ou organização que tem uma intenção clara de ação no campo e na sociedade. E você, de certa forma, é um instrumento dessa ação (ou pode vir a ser um instrumento)”.

Guilherme Alpendre

Por isso, é fundamental saber quais são os temas de interesse do financiador antes de oferecer um projeto. Sem alinhamento, é difícil que haja uma conversa produtiva.

“A ideia não é encontrar um financiador para pedir dinheiro, mas para oferecer uma ideia. Para isso, você precisa conhecer bem o trabalho do financiador. Pelo o que ele se interessa? Quais são os eixos estratégicos? Que oferta você pode fazer para ajudar o financiador a avançar nas questões com as quais ele trabalha?.”

Graciela Selaimen

“Estude muito os potenciais financiadores antes de ir falar com eles e tente mostrar quais as afinidades do seu trabalho com o campo do financiador. Financiar projetos bem feitos, de impacto e que deixem frutos positivos para a sua organização mas também para o campo e para a sociedade é o que os financiadores buscam.”

Natalia Viana

O alinhamento entre os financiadores e as iniciativas jornalísticas em busca de recursos também foi tema de debate do Festival3i Nordeste 2022. Em sua fala, Carolina Munis tratou da importância de haver clareza nos propósitos que guiam a iniciativa jornalística:

“Eu acho que propósito é, de longe, o fator mais articulador na sociedade civil. A gente precisa saber dizer o que nos motiva, o que levou à fundação do veículo e pelo o que trabalhamos”.

Carolina Munis, no Festival 3i Nordeste 2022

Essas informações serão seu norte na busca pelo financiador ideal. Para facilitar essa etapa do trabalho, o mapeamento de organizações que acompanha esse guia está dividido por áreas de atuação dos financiadores – como direitos humanos, gênero e meio ambiente. Além de buscar nessa base de dados, você também pode ficar de olho em quem financiou projetos parecidos com o seu.

  • Busque alinhamento: conheça bem o projeto e/ou iniciativa jornalística para a qual você quer buscar financiamento e tenha clareza sobre o campo de atuação dos financiadores
  • Sistematize periodicamente o impacto gerado pelo seu projeto e pela sua iniciativa

3. Quem são e onde eles estão?

4. O que fazer antes de procurar financiadores: preparação e planejamento

Escrever uma proposta para um financiador dá trabalho. Qualquer pessoa que já tenha tentado submeter um projeto em um edital ou participar de uma reunião com um potencial financiador sabe que descrever a ideia dentro de um formato específico pode ser tão ou mais difícil do que ter a ideia.

No mundo ideal, as propostas apresentadas para financiadores devem ser pensadas com calma. Mas na maioria das vezes o tempo é curto. Além disso, são poucos os veículos brasileiros que têm pessoas contratadas exclusivamente para buscar financiamento. Em 71% dos casos, quem exerce esse papel é o fundador do veículo, que acumula outras funções. O dado é do relatório "Ponto de Inflexão: Um estudo dos empreendedores digitais latino-americanos", realizado pela SembraMedia. Mas essa sobreposição de papéis – de fundador e captador de recursos – nem sempre é ruim.

“Eu jamais recomendaria pra uma organização contratar um captador profissional. Não tem nada mais desanimador pra alguém de uma filantropia do que ter que ficar conversando com o captador profissional, que não está imerso no dia-a-dia da organização, que não é guardião daquela história e não coloca a mão na massa. A gente gosta de conversar com o jornalista. Eu acho que é muito legal conseguir seguir combinando a capacidade de se envolver com a alma do trabalho e de dialogar com os financiadores”.

Carolina Munis

Para quem optar por equilibrar esse conhecimento profundo do projeto e os diálogos com financiadores, é fundamental ser bem organizado e economizar tempo com o que for possível. screver uma proposta ou preparar uma apresentação do zero a cada vez que surgir uma nova oportunidade, além de ser cansativo, vai te impedir de acumular conhecimento.

Informações básicas

Os caminhos até o financiamento são diversos, mas há informações básicas que quase sempre serão pedidas nos editais ou formulários de projeto. Ter esses dados organizados e mantê-los atualizados vai agilizar o trabalho. Reúna em um documento as seguintes informações sobre o veículo:

  • Nome da empresa
  • Localização
  • História e data de fundação
  • Organograma
  • Campo de atuação
  • Público-alvo

Para a apresentação de projetos, os dados básicos são:

  • Título
  • Descrição breve do projeto
  • Equipe
  • Público-alvo
  • Duração
  • Fonte de financiamento
  • Parceiros
  • Orçamento

“Traz muita força pra uma apresentação inicial quando as organizações conseguem fornecer informações básicas. Primeiro, sobre a sua arquitetura. No caso de um veículo de mídia, quais são as maiores editorias, como é o organograma, quantas pessoas tem. Segundo, é sempre muito impactante quando uma organização consegue trazer alguns exemplos concretos de impacto que o trabalho dela já conseguiu gerar.”

Carolina Munis

Encare essas informações como os ingredientes básicos para fazer uma receita de bolo: ovo, farinha e leite. Um financiador pode preferir um bolo de chocolate, outro de milho. Caberá a você incrementar a receita para despertar os interesses de cada organização, dando ênfase para aspectos do projeto que dialoguem com as prioridades de cada financiador. Por isso, copiar e colar propostas para enviar para diferentes editais ou financiadores pode ser uma má ideia. Você vai gastar menos tempo, mas as chances de conseguir se encaixar bem naquela janela de oportunidade serão menores.

Há financiadores que exigem um CNPJ ativo para doar os recursos – principalmente quando se trata de quantias maiores de dinheiro. No caso de micro-apoios, nem sempre isso é necessário.

Organizações internacionais que costumam oferecer grandes financiamentos – como a Open Society e a Ford Foundation – exigem que os veículos passem por auditorias financeiras regulares (e independentes). Além disso, é fundamental manter a contabilidade em dia, com balanços feitos periodicamente. Isso pode ser feito pelo setor administrativo do veículo ou por uma empresa de contabilidade.

  • Identifique quem é a melhor pessoa da equipe para fazer o trabalho de dialogar com potenciais financiadores (de preferência, alguém que conheça a fundo o trabalho jornalístico da sua organização)
  • Organize informações básicas sobre o seu veículo e/ou projeto e mantenha-as atualizadas

5. Os caminhos até o financiamento

Para cada tipo de financiamento oferecido por organizações filantrópicas há um caminho a percorrer, com desafios particulares.

O primeiro obstáculo é como conseguir entrar em contato com o financiador. Uma dica básica, válida para todos os casos, é pedir ajuda para outros veículos que já foram apoiados pela organização que te interessa. Outra opção é tentar encontrar com membros dessas organizações em eventos que reúnem jornalistas, e se apresentar.

“Muitas vezes alguém ou alguma organização que já é apoiada pela fundação indica pra uma outra organização que tá buscando parceria.”

Carolina Munis

"Hoje, o ecossistema do jornalismo independente está mais ‘povoado’ e há disputa pelo tempo de atenção dos financiadores. Cada vez mais é preciso procurar outras maneiras para ‘furar’ as barreiras do primeiro diálogo. E a primeira coisa para mim é fazer o financiador entender que assinar um contrato é dizer que vamos trabalhar juntos."

Izabela Moi

No caso do financiamento semente, quando se busca dinheiro para criar um veículo, é possível obter recursos em conversas com financiadores ou por meio de editais que contemplem essa modalidade de apoio.

"O financiamento semente é delicado, porque muitas fundações têm receio de se tornar as únicas financiadoras de algo. Por isso, a organização apoiada precisa mostrar que ela tem um plano para reduzir a dependência daquele capital original e incorporar novas fontes de receita."

Carolina Munis

“Minha dica para novos veículos em busca de apoio financeiro é investir na infraestrutura de administração. Na minha experiência, alguns veículos nascem só da vontade de fazer jornalismo. Então, os jornalistas acham que vão se juntar, fazer histórias e publicar. Uma organização não é isso. Precisa de transparência, precisa ser capaz de prestar contas adequadamente, precisa de gestão de pessoas. Isso é importante pro financiador saber que, para além de um trabalho qualificado, ele também está investindo em uma organização com potencial de ser saudável e resiliente. Tudo que a gente não quer é fazer uma aposta numa ideia boa que dali a dois anos se desintegra.”

Graciela Selaimen

Financiamentos institucionais também podem ser obtidos diretamente com organizações filantrópicas ou por meio de editais. Nesse caso, é fundamental saber defender a importância da manutenção da existência do seu veículo. Em geral, o financiamento institucional não é o primeiro apoio de uma filantropia. Elas preferem desenvolver um projeto em parceria, construir uma relação de confiança com a iniciativa, para depois dar o apoio institucional.

“Outra coisa que eu acho importante é saber responder 'Por que eu e não outra pessoa? Por que a gente tem que fazer esse projeto e não outros?' Às vezes, as organizações têm dificuldade em olhar ao redor e identificar tanto o que falta quanto o que elas teriam a oferecer pro campo.”

Natasha Felizi

“O que fazemos tem valor e merece ser valorizado desde o início. E o que vai te levar mais longe, sem se perder? Uma missão clara, que as outras pessoas da equipe vão não apenas entender, mas defender também.”

Izabela Moi

"O financiador que contribuir para que os veículos possam ser resilientes e, no longo prazo, independentes. Ninguém quer ficar financiando as mesmas organizações a vida inteira. Então, é importante ter um plano para ampliar fontes de recurso e olhar seriamente para questões de planejamento e sustentabilidade."

Graciela Selaimen

Financiamentos para projetos são os mais comuns. Eles normalmente focam em um tema específico e têm um prazo de entrega do trabalho. Mais adiante, você encontrará dicas sobre o que não pode faltar numa boa proposta de projeto.

Por fim, há os micro-apoios – menos conhecidos e, por isso, menos procurados pelos veículos. São quantias menores de dinheiro, em comparação com os valores oferecidos em editais, que servem para financiar necessidades pontuais ou até projetos, dependendo do orçamento necessário.

“Fundações grandes, como a Oak, costumam ter um recursos chamado de 'apoio discricionário' – que é um 'trocadinho' que sobrou ali no orçamento e que pode ser doado de forma bem mais desburocratizada, sem necessidade de submissão de projeto. Muitas vezes, a organização só precisa mandar um e-mail expressando uma necessidade. Por exemplo: 'Nós queremos participar de um festival de jornalismo no Uruguai e precisamos de ajuda para custear passagem de duas pessoas da equipe. Tem como apoiar?' E aí o financiador faz um micro-apoio para viabilizar isso. Dá para fazer muito com pouco.”

Carolina Munis

Há ainda mais um obstáculo presente em todos os caminhos que levam até o financiamento: não há muitas organizações que apoiam financeiramente o jornalismo no Brasil. Isso gera consequências, como a dificuldade de conseguir tempo para uma conversa de um potencial financiador.

“O sistema de filantropia no Brasil ainda é precário. Existem cerca de 95 fundos e fundações operando aqui. A Índia, outra economia do Sul global em desenvolvimento, tem 600. Os Estados Unidos têm 86 mil. Não vai ter fundo e fundação para abastecer todo mundo.”

Carolina Munis

A dica da Carolina Munis pra conseguir esse espaço é deixar de lado a lógica de "cada um por si" e tentar um outro tipo de financiamento: a captação consorciada – ou a parceria entre veículos jornalísticos. Durante o Festival 3i Nordeste, em 2022, Munis reforçou sua visão sobre esse desafio: "se todo o campo da mídia independente for bater na porta da filantropia privada individualmente, a conta não fecha". Ela aponta a colaboração entre iniciativas de jornalismo como um caminho para superar essa barreira.

“Juntar forças com outros veículos e pensar num projeto coletivo para levar para um financiador pode ser muito mais atraente. Isso é algo que infelizmente as organizações fazem pouco.”

Carolina Munis

Pode ser difícil conseguir uma quantia grande de dinheiro para viabilizar um projeto de um único veículo. As parcerias aumentam a audiência potencial, possibilitam a combinação de diferentes habilidades e podem ter um impacto maior no campo de atuação do financiador – tornando o investimento mais atraente.

Para refletir sobre qual caminho até o financiamento é mais adequado, Carolina Munis afirma que é importante levar em consideração o tamanho do projeto ou veículo jornalístico para o qual se busca apoio.

“Existem diferentes oportunidades de financiamento para organizações de diferentes tamanhos e níveis de institucionalidade. Não faz sentido uma iniciativa jornalística com uma receita de menos de R$ 5 mil bater na porta de uma grande fundação filantrópica e apresentar uma proposta de R$ 200 mil. Há uma incoerência entre o valor solicitado e a capacidade de gestão de recurso.”

Carolina Munis, no Festival 3i Nordeste 2022

  • Pense qual tipo de financiamento se encaixa melhor nas suas capacidades e necessidades
  • Peça ajuda com colegas e demais veículos independentes para conseguir um primeiro contato com os potenciais financiadores

6. Vendendo o peixe: como apresentar bem o seu projeto para um potencial financiador

A essa altura, você já conhece bem o projeto que quer apresentar, quais são os financiadores ideais e que tipo de apoio você precisa. Agora é hora de "vender seu peixe".

Forma

Cada financiador ou edital pode ter um formato pré-determinado de como os projetos devem ser apresentados: por meio de um formulário disponível no site ou com uma carta de intenções, por exemplo. Nesses casos, você terá que se adequar ao que é pedido.

Há também a possibilidade de você ser convidado para uma conversa com um potencial financiador. E agora? Você deve fazer uma apresentação de slides, um vídeo ou falar de maneira livre? Não há uma resposta certa, mas faça essa escolha de maneira consciente.

“Cada organização tem um jeito de contar sua história, que também é reveladora da cultura, da identidade, da história delas.”

Carolina Munis, no Festival 3i Nordeste 2022

O que o jeito de contar a história do seu projeto diz sobre o próprio projeto? Tanto quanto o conteúdo, a forma é um jeito de comunicar os valores que norteiam o seu trabalho.

Outro item importante em uma proposta de projeto é a planilha de orçamento. Caso você tenha que preencher um modelo e tenha alguma dificuldade, não tenha vergonha de abordar o financiador com a sua dúvida. Caso não seja necessário utilizar um modelo, lembre-se de detalhar tipo de gasto, custos unitários, quantidade e custos totais. É possível encontrar um modelo básico aqui.

Independente do formato escolhido, fique atento a esses pontos:

  • Evite erros de português
  • Evite clichês
  • Evite frases longas
  • Responda exatamente o que for solicitado em formulários e editais

Conteúdo

Além das informações básicas sobre as quais nós falamos anteriormente, há elementos-chave que não podem faltar no conteúdo de uma boa proposta.

“É muito importante uma organização mostrar que ela sabe de onde veio, onde ela está e pra onde ela quer ir. Ser realista sobre o que você quer e, principalmente, sobre o que você consegue e não consegue alcançar. A gente cansa de ler projeto dizendo que vai revolucionar o mundo, mas na verdade apetece muito mais você ter um diálogo franco sobre o que dá e não dá pra fazer, o que dá e não dá pra esperar.”

Carolina Munis

“Não basta dizer para qual projeto você está procurando apoio financeiro. É importante informar ao financiador como ele se insere num contexto maior e que metas do veículo serão atingidas a partir dele. Por exemplo: seu veículo quer dinheiro para criar uma equipe de podcast. Qual é o motivo pelo qual você deseja trabalhar com esse novo formato?

“Um bom projeto apresenta uma boa estratégia. Mais do que uma coisa super colorida, com o tema ou com uma mídia da moda, é um projeto que liga lé com cré.”

Natasha Felizi

Continuando no exemplo do podcast, seria importante informar ao financiador que, com esse formato, seu veículo vai conseguir levar o conteúdo a novos públicos, democratizando o acesso à informação.

“Não pode faltar o ’como’ vai ser feito. Todo mundo sabe dizer ‘vamos fazer isso, isso e aquilo’. Mas como? Com que recursos, com que equipe, com que parcerias? Essa é uma informação importante.”

Graciela Selaimen

“Você tem que mostrar que você tem todos os recursos pra fazer o que você está propondo fazer.”

Natasha Felizi

“Em geral, todo mundo é bom em dizer o que quer fazer. Coloque a mesma energia em dizer como você vai fazer o trabalho. Isso mostra para o financiador que há um planejamento de longo prazo.”

Rafael Georges, no Festival 3i Nordeste 2022

Está escrito no projeto que haverá uma divulgação massiva por meio de diferentes redes sociais? Então é preciso dizer quem na equipe do projeto sabe navegar nessas plataformas, cada uma com um funcionamento particular. Pretende fazer um podcast? É fundamental ter alguém na equipe que entenda a lógica de produção e distribuição desse formato.

“Outra coisa muito importante é que haja uma coerência inquestionável entre o que você está propondo e o orçamento. O orçamento também é uma narrativa.”

Graciela Selaimen

"Teve uma vez, há muitos anos, que uma financiadora puxou a minha orelha e disse que "estávamos cobrando pouco". E era verdade. Quando colocamos no papel, percebi que queríamos tanto que aquele projeto acontecesse que estávamos praticamente trabalhando de graça. Esse é um grande erro. O trabalho do jornalismo investigativo é profissional , leva tempo, e merece ter a estrutura necessária para ser realizado com dignidade."

Natalia Viana

Essa coerência deixará claro para o financiador que você tem clareza sobre o trabalho que quer fazer e os recursos humanos e financeiros necessários para isso. Então, ao contrário do que muita gente pensa, o orçamento não é um detalhe burocrático.

Ainda que os financiadores sobre os quais estamos falando não esperem retorno financeiro dos aportes, eles estão em busca de projetos que farão um bom uso do recurso oferecido. Além de apresentar um orçamento coerente, apontar motivos pelos quais seu projeto tem potencial para ser bem-sucedido é positivo. Você pode fazer isso com base em outros projetos semelhantes feitos no passado por você ou por outros veículos.

Caso não haja uma base de comparação para o projeto que você pretende fazer porque ele tem um caráter inovador, apoie-se nisso. Diga claramente que lacuna do jornalismo você pretende explorar e por que é importante fazer isso.

“São pequenas inovações que fazem um projeto brilhar. Dizer, por exemplo, que um tema nunca foi tratado a partir do ponto de vista tal e provar isso.”

Natasha Felizi

  • Mostre ao financiador que você conhece bem o contexto maior no qual o seu projeto está inserido e o que você pretende alcançar com ele
  • Seja realista: não prometa mais do que você pode cumprir
  • Deixe claro como você vai executar o projeto proposto
  • Prepare um orçamento coerente com o projeto

7. Um parceiro, não um banco: como manter uma boa relação com o financiador

Parabéns! Você conseguiu um financiamento. Agora é só executar tudo o que foi combinado e seguir para o próximo projeto, certo? Se você quiser diminuir e muito a possibilidade de conseguir recursos no futuro, sim.

Mas se você quer conquistar novos financiamentos para o seu veículo, vai precisar investir tempo e esforço para manter um bom relacionamento com financiadores. Lembra como esse universo de organizações que apoiam o jornalismo é pequeno? As pessoas se conhecem e fazem recomendações umas para as outras. Queimar o filme com um financiador pode fechar várias portas diferentes.

“É importante manter a conversa ativa e não aparecer só na hora de pedir recurso, mas sim fazer com que o financiador de alguma forma seja parte da vida da instituição.”

Graciela Selaimen

Um dos principais canais de comunicação entre financiadores e financiados são os relatórios – normalmente entregues na metade e ao final do projeto. Além de apresentar uma descrição do trabalho executado, esse documento – quando bem feito – reflete sobre o conhecimento acumulado ao longo do projeto.

“Um bom relatório não conta só o que aconteceu, ele conta o que se aprendeu. O que esse projeto mudou dentro da organização? Que outros conhecimentos e habilidades isso trouxe pra organização?”

Graciela Selaimen

“Você não precisa compartilhar todo tipo de informação vital e crítica da sua organização com o financiador, mas equilibrar isso com uma lógica de generosidade, pensando que muito do conhecimento interno que você tem como organização do campo pode melhorar o trabalho do financiador.”

Carolina Munis

“A nossa moeda de troca é o aprendizado. Um bom relatório final descreve coisas que aconteceram como uma maneira de registrar, mas ele também traz reflexões. Além disso, ele também é honesto a respeito do nível das suas entregas em relação às expectativas. Não dá pra perder de vista o que você propôs no começo na hora de falar da entrega final. Eu preciso saber qual era o ponto de partida e como foi o percurso. O relatório final pode ser meio chato pra quem tem que fazer, mas pro financiador ele é um muito, mas muito importante.”

Natasha Felizi

Entregar algo tão importante para o financiador de forma mal feita, além de ser deselegante, demonstra que você enxerga essa organização mais como um banco do que como um parceiro.

As organizações que apoiam o jornalismo procuram construir, ao longo do tempo, um conhecimento mais abrangente do campo onde estão atuando. Isso serve tanto para aprimorar a visão de quais projetos têm mais potencial para receber apoio, quanto para ajudar a lapidar aqueles que foram escolhidos. No fundo, ao fazer um bom relatório, você está contribuindo para o jornalismo como um todo – e não cumprindo uma tarefa meramente burocrática.

Mas, além do relatório, há muitas outras formas de manter um canal de diálogo aberto com o financiador. Você pode, por exemplo, mandar e-mails periodicamente compartilhando o andamento do projeto ou perguntando a opinião do financiador sobre um desafio que você esteja enfrentando.

“É raro o financiado ir lá e perguntar 'o que você acha?' pro financiador, mas pode ser muito produtivo. Quando eu trabalhava na Abraji, eu mandei um projeto para a Open Society e eles me chamaram para uma conversa. Nesse papo, eles contaram várias experiências de projetos de outros lugares do mundo que me ajudaram a melhorar a minha ideia. O que era para ser um livro sobre o Caso Tim Lopes virou um projeto muito maior, com vídeos e monitoramento ativo de ameaças à liberdade de imprensa.”

Guilherme Alpendre

“Uma boa relação é honesta, transparente. O que é mais importante, na busca por essa transparência é a confiança que se constrói. E a gente só constrói confiança investindo num relacionamento. Então, é dar de volta, sabe? Porque essa é uma relação de duas mãos. Não pense que a relação é você pegar o dinheiro e devolver um relatório.”

Graciela Selaimen

“Captar recurso é uma relação de negócios, e mesmo que estejamos todos trabalhando com uma missão e pelo interesse comum, sabemos que é uma troca que beneficia ambos os lados. Então, fico sempre querendo que esta relação entre financiador e financiado fique mais parecida com uma parceria mesmo.”

Izabela Moi

“Alguns projetos perdem a oportunidade do diálogo. É um fator que é importante, que tem um valor e é uma moeda de troca. A gente dá dinheiro porque é nossa missão e a gente quer aprender com cada um dos projetos. Sem diálogo, a gente não consegue entender os resultados. Então, os projetos que tratam o financiador como um "banco" desperdiçam essa oportunidade.”

Natasha Felizi

  • O financiador não é um banco, mas um parceiro
  • O universo da filantropia é pequeno. Uma experiência ruim com um financiador pode fechar várias portas
  • Seja honesto e transparente
  • Dedique tempo para escrever bons relatórios
  • Mantenha um canal ativo de comunicação
Quem ouvimos

Ao longo desse guia, você encontrou dicas compartilhadas pelas seguintes pessoas:

Carolina Munis
Oficial do Programa Brasil na Oak Foundation.

Graciela Selaimen
Líder para a América Latina da IRIS (International Resource for Impact and Storytelling).

Guilherme Alpendre
Diretor-executivo da Rádio Novelo e vice-presidente do conselho da Ajor (2021-2023).

Izabela Moi
Diretora executiva e cofundadora da Agência Mural.

Natasha Felizi
Responsável pelo Programa de Divulgação Científica do Instituto Serrapilheira.

Rafael Georges
Responsável pelo gerenciamento das concessões e investimentos da Luminate na América Latina.

Referências

"Ponto de Inflexão: Um estudo dos empreendedores digitais latino-americanos", feito pela SembraMedia

"MediaDev Fundraising Guide", de Global Forum for Media Development

"Tips for Writing a Successful Pulitzer Center Grant Proposal", do Pulitzer Center

"Dicas de como buscar financiamento para o jornalismo", escrito pela equipe do jornal norte-americano The News & Observer e traduzido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)

"Oito dicas para uma boa proposta de projeto", do Instituto Serrapilheira

Arte e desenvolvimento por Sariana Fernández

Pesquisa e redação por Natália Silva

Edição por Ana Magalhães e Maia Gonçalves Fortes

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