O segundo dia de Festival 3i, nesta sexta (14), que acontece no Rio de Janeiro, trouxe seis cases com soluções políticas, sociais, econômicas, tecnológicas e ambientais para o jornalismo. Os palestrantes falaram sobre o uso da inteligência artificial como ferramenta de monitoramento, jornalismo hiperlocal como resistência à exploração de territórios, representatividade e captação de recursos financeiros.
As sessões de apresentação de cases têm o objetivo de divulgar a estratégia de desenvolvimento de produtos, distribuição, construção de formatos, maneiras como foram pensados os nichos editoriais das iniciativas jornalísticas que mais fizeram sucesso recentemente no mercado digital brasileiro e latino americano. Ao apostar neste formato no Festival 3i, a Ajor, Associação de Jornalismo Digital, aposta que compartilhar essas etapas do trabalho jornalístico fortalece a compreensão do público sobre o significado de inovação para o setor.
Pública IQ: o uso de IA como ferramenta de monitoramento de impacto
A diretora de Comunicação da Agência Pública, Marina Dias, apresentou a Inteligência Artificial Pública IQ, metodologia própria que monitora o impacto do veículo na sociedade brasileira. Por meio de ferramentas de inteligência artificial, a Pública consegue acompanhar desde engajamento e alcance das reportagens até efeitos reais na promoção da conscientização e de mudança social, com tomadas de decisão a partir das reportagens. “Impacto é quando alguém toma uma iniciativa a partir de uma reportagem nossa, ou há algum tipo de influência na opinião dos leitores”, resume Marina. Um exemplo citado foi a denúncia que obrigou o Ifood a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por ter contratado empresas de propaganda para desmobilizar o movimento de entregadores, em 2022. As investigações, segundo o Ministério Público Federal, se originaram a partir da reportagem da Pública.
O Pública IQ usa o ChatGPT 4 e algoritmos para monitorar menções à Agência Pública em sites de notícias, redes sociais, programas de TV, podcasts, relatórios e documentos públicos e privados e usos profissionais diversos, como salas de aula ou uso por advogados. Os resultados são filtrados e classificados, gerando um feedback completo, descrito e detalhado. Antes do desenvolvimento da ferramenta, em 2023, muitos desses resultados eram restritos a relatos que chegavam à equipe, que fazia o trabalho manualmente. Como resultados práticos, a diretora da agência lista economia de tempo; análises completas de cada menção; classificação mais consistente; e o uso replicável da ferramenta por outras organizações jornalísticas.
A Agência Pública planeja disponibilizá-lo a outros veículos, e para isso ainda será necessário personalizar os filtros da IA, de forma que sejam funcionais em cenários diversos. “Esse processo possibilita que o veículo entenda como seus conteúdos estão influenciando o público e qual o impacto dessa influência nas plataformas, para que entendam como podem ser mais efetivos e quais soluções estão dando certo em cada negócio”. Apesar de confiável, ainda é necessário revisão e avaliação humana, de forma que os resultados se mantenham verídicos e efetivos.
Varadouro, a reinvenção de um jornal
O jornalista Fabio Pontes contou como se deu a retomada do jornal Varadouro, que circulou pela Amazônia nos anos 1970, e ressurgiu em 2023 como portal de notícias. O tema que mais recebe atenção é o desmatamento na divisa dos estados do Acre, Amazônia e Rondônia, região que vem sendo apelidada de Amacro e apontada como nova fronteira de expansão do agronegócio.
O foco de cobertura remonta à própria origem do jornal, criado em Rio Branco, no Acre, para denunciar o avanço da agropecuária na Amazônia e seus efeitos sobre a população em pleno regime militar. Varadouros são caminhos, trilhas percorridas em burros que levavam aos seringais, para levar e trazer mercadoria – e notícias. As pautas do site se concentram em Meio Ambiente, Mudanças Climáticas, Povos Indígenas, Comunidades Extrativistas, Conflitos Fundiários, Política/Economia e Questões de Fronteira. “Somos a Amazônia, falando sobre a Amazônia e fazendo jornalismo para os moradores da Amazônia”, define Fabio.
As 24 edições impressas da primeira versão do jornal Varadouro circularam entre maio de 1977 e dezembro de 1981, driblando restrições políticas, econômicas e geográficas. “A primeira edição foi impressa na gráfica do estado, mas logo foi censurado e precisava rodar em outros pontos da região e do país, até no Rio de Janeiro, com grande dificuldade”, conta Fabio, que lidera a organização de comunicação social para dar continuidade à luta por informar sobre as principais questões que afligem a Amazônia 50 anos após a primeira edição, agora na era digital. “Após ter escrito de forma tão corajosa e pioneira um dos momentos mais críticos da história da Amazônia, era injusto deixar Varadouro apenas como uma peça de museu”.
Falando por e para a população LGBTQIA+
A cofundadora da Diadorim, Camilla Figueiredo, compartilhou sobre a importância do veículo, as funções que ele exerce, como faltam dados sobre a comunidade LGBTQIA +, o desinteresse do poder público sobre essa população e os projetos futuros da agência.
“A Diadorim tem como missão fiscalizar o poder público, denunciar violências sobre a população LGBTQIA+ e contar histórias sobre a nossa comunidade”, disse a jornalista. A agência de jornalismo independente conta com membros em São Paulo e Pernambuco.
A estratégia de alcance dos conteúdos produzidos pela Diadorim é a variedade de temas, jornalismo gratuito e um olhar diferenciado e interno sobre a comunidade LGBTQIA+ que foge do eixo tradicional de Rio e São Paulo. Como iniciativa para melhorar o fornecimento de informação para o público-alvo, eles fizeram um levantamento próprio de dados pelo país.
Duas matérias foram destacadas na apresentação: uma sobre a falta de dados no Censo do IBGE, e a outra sobre o número de Projetos de Lei contra a Comunidade LGBTQIA+, que encontrou 122 projetos de lei feitos nos últimos três anos com quatro principais focos: linguagem neutra, pessoas trans no esporte, banheiro multigênero e propaganda com pessoas LGBTQIA+. A partir dessa análise, a Diadorim analisou como esses projetos se propagam pelo país: a cada 5 dias surge uma nova tentativa de implementação de PL.
Como medida, a Diadorim planeja criar uma plataforma de monitoramento para identificar onde estão sendo feitos os projetos e para onde eles repercutem, com o objetivo de mantê-lo atualizado. Com a plataforma e os conteúdos produzidos, esperam repercutir na mídia. Olhando para o futuro, a organização busca visibilidade nas eleições para reduzir LGBTQIA+fobia, novos meios de financiamento do veículo e novos formatos de conteúdos para atingir diferentes públicos.
Como usar a Lei Rouanet para captar para projetos de jornalismo
A diretora do Nonada Jornalismo, Thaís Seganfredo, apresentou um projeto de impacto social inspirado na Énois. Realizado pelo veículo a partir da Lei Rouanet, a organização criou o projeto Comunica e distribuiu bolsas e auxílios para o fomento de produção cultural em Campinas (SP). Para isso, o Nonada firmou uma parceria com uma produtora e realizou um documentário sobre o artista local Bene de Moraes, junto com os bolsistas. Além do documentário, o projeto também resultou em uma revista cultural com reportagens do Nonada e texto dos participantes.
O projeto gerou 40 contratações diretas e indiretas com profissionais de dentro ou de fora do jornalismo. Como resultado, 35 mil pessoas foram impactadas pelo projeto, e criou-se uma rede de trabalho entre as pessoas: após o projeto, eles contrataram uns aos outros para novos projetos.
Thaís deixou claro que, para receber esse tipo de financiamento público, é necessário entender todos os detalhes da lei. A parte mais complicada, segundo ela, é a captação de recursos. Para isso, foram contratados profissionais para escrever editais e uma agência de captação que busca patrocinadores.
Após o processo, foram escolhidos os patrocinadores que faziam sentido para o projeto, e estabelecer uma relação de envolvimento e transparência para garantir o apoio do patrocinador. “Saiba que o patrocinador não é um banco, ele quer acompanhar o projeto do início ao fim. Com essa transparência, a gente consegue fazer esse impacto sociocultural”, disse a palestrante.
A lei também exige transparência financeira ao longo da produção para evitar desvios e uma aplicação efetiva do financiamento. Como sugestão, Thaís indica procurar uma produtora cultural que possa prover um auxílio ao longo da produção e na formulação do projeto que será apresentado para o governo.
Jornalismo e Território: Desinformação e Clima
A diretora de formação do Laboratório Énois, Sanara Santos, apresentou o case do projeto “Jornalismo e Território”, que ajuda jornalistas e comunicadores a combaterem a desinformação e fake news em nível hiperlocal. A iniciativa foi criada em 2019, e já teve edições sobre primeira infância e adolescência e justiça climática.
O case desdobrou a edição atual criada em parceria com a Internews: “Desinformação e Clima”, realizada em Heliópolis, a maior favela da cidade de São Paulo. O projeto foi realizado em cinco fases: coleta de dados qualitativos e quantitativos sobre o ecossistema de informação e desinformação dentro da região, análise desses dados para entender a realidade informacional da comunidade e, a partir disso, traçar e executar estratégias de comunicação junto a comunicadores populares.
A pesquisa quantitativa indicou que 59,65% dos 170 entrevistados afirmaram nunca ter recebido qualquer desinformação relacionada a clima e meio ambiente. Porém, a dinâmica com grupos focais de moradores mostrou que havia sim o compartilhamento de fake news. “Foi aí que a gente percebeu que as pessoas não tinham uma dimensão do que é uma fake news, do que é desinformação”, relata Sanara.
A maioria dos entrevistados checava as notícias em conversas com outros moradores da comunidade. O Énois então selecionou comunicadores locais para ajudar a elaborar um plano de comunicação junto a lideranças regionais, como a União de Núcleos, Associação de Moradores de Heliópolis e Região (UNAS) e a Rádio Heliópolis.
Como é viver sem jornalismo?
Foi com o questionamento “Como seria o mundo sem jornalistas?” que o diretor de negócios da Agência Mural, Anderson Meneses, iniciou a apresentação do case sobre a reportagem da organização que fez uma imersão em Pirapora do Bom Jesus. Cerca de 40% dos municípios do Brasil não recebem notícias sobre o próprio território, e foi com a curiosidade de saber como é viver sem nenhum tipo de jornalismo que iniciou o projeto da reportagem. A equipe da agência teve a experiência de viver em uma cidade que é parte do deserto de notícias brasileiro.
O primeiro passo foi apurar a forma com que as pessoas se informavam: tudo a partir do contato presencial, o que desacelerava a veiculação da informação e fazia com que a população perdesse oportunidades na cidade. Durante a imersão, a equipe visitou um colégio público de ensino para jovens adultos, o EJA, e observou que os estudantes não entendiam o conceito “deserto de notícia”, e que viviam em um.
Como resultado da reportagem, a Mural criou um especial em diversos formatos, com matérias, vídeos e ilustrações para facilitar o alcance da informação. O principal objetivo do especial é reforçar a necessidade de políticas públicas para garantir o acesso à informação, que é um direito básico, e conscientizar a existência desse direito. Anderson definiu como principal conclusão dessa experiência o reconhecimento da importância e do impacto do jornalismo na vida das pessoas.
*Reportagem produzida por estudantes de jornalismo para o Foca no 3i, parceria de cobertura do Festival 3i 2024 com as faculdades ESPM-Rio, PUC-Rio e Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA).
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