Abraji divulga novo relatório sobre violência de gênero contra jornalistas

Por Ajor mar 10, 2022

Pesquisa foi apresentada em webinar nos dias 8 e 9 de março, marcando o Dia Internacional da Mulher

Em 2021, foram registrados 119 ataques com viés de gênero contra jornalistas brasileiras. Mais de 70% deles tiveram origem ou alguma repercussão no ambiente digital. Dados foram apresentados pela nova edição do monitoramento “violência de gênero contra jornalistas”, projeto feito anualmente pela Abraji com indicadores da rede Voces Del Sur, e patrocínio da UNESCO.

Cerca de um terço das agressões online registradas foi instigado por autoridades públicas e atores políticos. “Estes atores querem tirar a credibilidade do veículo, do jornalismo, atacando a moral das profissionais por trás das coberturas”, afirmou Verônica Toste, doutora em Sociologia e consultora de gênero no projeto da Abraji, em live de lançamento do projeto, nesta terça-feira (8). 

Em celebração ao Dia Internacional da Mulher, a organização de jornalismo promoveu dois webinars focados em discutir o cenário de ataques de gênero contra profissionais da imprensa no Brasil, nos dias 8 e 9 de março. 

O primeiro dia de evento recebeu a pesquisadora Verônica Toste; Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da UNESCO no Brasil; Julie Posetti, vice-presidente adjunta do ICFJ; Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de S.Paulo. A mediação foi de Jéssica Moreira, cofundadora do Nós, mulheres da periferia.

Já no segundo dia, estiverem presentes no debate a ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmém Lúcia, a coordenadora de comunicação do mandato da deputada Talíria Petrone, Leonor Costa, a Integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil,  Laura Tresca; assistente jurídica da Abraji e coordenadora do relatório “Violência de gênero contra jornalistas”, Leticia Kleim e a  diretora da Abraji Patricia Campos Mello, responsável pela mediação.

Metodologia e destaques

Os dados do monitoramento apontam que em 2021 houve um total de 119 ataques contra mulheres jornalistas e/ou ataques envolvendo profissionais da imprensa: uma média de um caso a cada três dias.

Cerca de  38% dos casos analisados foram classificados como ataques de gênero, quando os agressores se apoiam na sexualidade ou na identidade de gênero para atacar seu alvo. Esses registros incluíram, principalmente, ataques à moral e reputação de jornalistas mulheres (32 casos), ataques homofóbicos (8) e transfóbicos (1). Registraram-se ainda dois casos de violência física contra mulheres jornalistas e dois ataques online motivados por cobertura jornalística relacionada a gênero.

Entre as agressões mais comuns, destacam-se ainda os discursos estigmatizantes, ataques verbais – que podem ou não conter imagens, vídeos e áudios – com o objetivo de difamar e desacreditar as vítimas. Em 2021, eles estiveram presentes em 79% dos casos e foram perpetrados na forma de campanhas sistemáticas de descredibilização e desrespeito às vítimas (60,6% dos casos de discursos estigmatizantes), discursos hostis de autoridades e figuras proeminentes no cenário político nacional (57,4% dos episódios) e campanhas de desinformação (4,3%).

A maioria dos agressores estavam em ambientes digitais e, em geral, utilizaram plataformas como o Twitter para perseguir, ofender e constranger comunicadoras no cotidiano de seu trabalho. As autoridades de Estado, como vereadores, deputados, senadores e o próprio presidente da República, também estão entre os principais agressores. A categoria é responsável por 36,1% do total de casos registrados.

Nas palavras delas

“Os agentes políticos são os orquestradores desses ataques. Eles vêm como avalanches que te soterram. Existem núcleos organizados em plataformas como o Telegram que produzem material para promover estes ataques diretos a jornalistas”, relatou Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de S.Paulo. 

Segundo a jornalista, as denúncias nas plataformas de tecnologia não surtem efeito e, muitas vezes, acabam prejudicando as próprias vítimas, que têm seus perfis bloqueados por causa dos ataques. 

“Este é o tipo de ranking que eu não gostaria de estar. A nossa carga de trabalho já é grande, e ainda precisamos lidar com a questão da nossa saúde mental que é diariamente atacada. O intuito dos ataques é nos calar, fazer com que a gente desista do nosso trabalho de jornalista, mas eles não vão conseguir. Isso está nos fortalecendo no exercício da nossa profissão”, completou.

Durante sua fala, Leonor Costa, coordenadora de comunicação do mandato da deputada Talíria Petronem (PSOL), reafirmou que a parlamentar está à disposição para integrar esforços que garantam a proteção das jornalistas, pensando em ações no Congresso Nacional para que o tema possa ser debatido. Para a assessora, em virtude dos constantes ataques contra a imprensa há, atualmente, um estado de exceção dentro da democracia.

“O cenário é o mais grave possível. A quantidade de ataques não só pelo governo, mas os seus apoiadores empoderados. Ataque contra a imprensa é um ataque frontal à democracia, não existe democracia plena se os trabalhadores da imprensa são constantemente atacados”, ressaltou.

A integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil,  Laura Tresca, lembrou das discussões acerca do PL 2630 e apontou caminhos que podem ser tomados para tentar garantir ou diminuir os ataques específicos a jornalistas mulheres que são, muitas vezes, inflamados por representantes políticos. Tresca também argumentou que é fundamental que as vítimas desses tipos de perseguição possam integrar redes de apoio.

“É preciso criar mecanismos de responsabilização administrativa por seus discursos de ódio ou desinformativos para o enfrentamento desse cenário.Outra possibilidade é que organizações sociais e de mídia levem círculos informativos saudáveis para colocar o debate público voltado para questões públicas quando um ataque desses acontece. Nas eleições americanas, criou-se um grupo de organizações feministas para combater a desinformação direcionada a candidatas mulheres, por exemplo. Acontecia um ataque e elas reagiam juntas a esse ataque. Recomendo, inclusive, atenção ao PL2630”, pontuou.

Em seu discurso no evento, a ministra do STF Carmém Lúcia destacou que as perseguições constantes às profissionais da imprensa representam, sobretudo, uma ofensiva ao Estado Democrático de Direito.

“Sei que outras mulheres que não têm oportunidades, principalmente as mulheres negras e pobres sofrem ainda mais preconceito até muito diferente do que nós sofremos. Mas, quando se ataca a jornalista mulher, não se ataca apenas uma pessoa. É claro que há violência, esse ataque não é apenas à jornalista, na verdade, isso se volta contra as verdades do fato, o princípio da justiça e contra a prática da democracia. Nós fomos silenciadas historicamente, não tínhamos direito de falar, e as jornalistas investigativas, em específico, colocam às claras o que tentam esconder”, diz a ministra.

Refletindo sobre a importância do levantamento realizado pela Abraji, a pesquisadora Letícia Klein comentou que os números são relevantes para se criar um parâmetro e suscitar discussões, mas há, ainda, uma subnotificação evidente que precisa ser considerada, principalmente no contexto de diversidade geográfica do Brasil. Klein também pontuou que as redações precisam receber treinamento de segurança digital e adotar ferramentas tecnológicas que resguardem ou diminuam os riscos das profissionais serem alvo de ataques.

“Apesar desses números gritantes, temos consciência que há uma subnotificação desse problema no país. Nossos casos são concentrados na região Sudeste e em Brasília e acabam pegando mais jornalistas que estão no topo da carreira, também tem a questão do recorte racial dos dados. Temos bastante consciência de expandir os dados e olhar para além dos centros urbanos. Devem acontecer muitos casos no interior dos estados,  onde a pressão política é bem maior, envolvendo um risco à integridade física das profissionais”, explicou a jornalista.

O relatório completo pode ser acessado em português, inglês ou espanhol. Além da análise dos dados encontrados, o documento ainda fornece uma lista de recomendações para que organizações jornalísticas invistam na formação de equipes diversas e adotem ferramentas tecnológicas de monitoramento e proteção. 

Texto por Géssika Campos e Fernanda Giacomassi

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