Como investigar histórias com a ajuda do público?

Por Tainah Ramos ago 15, 2023

Organizações associadas à Ajor explicam como a participação de leitores em pautas é um meio de enfrentar a desconfiança no jornalismo

A maioria dos veículos jornalísticos abrem canais de comunicação com os leitores para receber sugestões de pauta. Mas é possível ir além, permitindo que o público participe ativamente do processo investigativo. A Agência Pública e a Periferia em Movimento, ambas organizações associadas à Ajor, têm apostado na estratégia como forma de engajar seus apoiadores e expandir sua cobertura.

A editora de Audiências da Pública, Giulia Afiune, foi uma das responsáveis pela elaboração desse modelo no veículo. Ela conta que a primeira “investigação participativa”, como ela chama, aconteceu na pandemia, em 2020. Devido ao distanciamento social e o aumento da conexão digital, o momento impulsionou a possibilidade de engajar mais pessoas a compartilharem suas experiências.

“É como um jogo de quebra-cabeça. Você começa a juntar as peças que são parecidas e foi assim que agrupamos histórias. Então vimos muitos relatos de distribuição de cloroquina e kit-covid e isso se destacou no todo, já que era também ano de eleição local e, em várias, dessas cidades, os prefeitos iam buscar reeleição”, conta Afiune. O resultado foi o especial “Era Uma Vez no País da Cloroquina”, investigação que descobriu dez municípios com distribuição de medicamentos para a covid-19 sem eficácia comprovada.

Para a jornalista, uma das vantagens da “investigação participativa” é a possibilidade de estar em vários lugares ao mesmo tempo, além da diversidade de fontes – que normalmente não seriam acessadas sem um chamado aberto.

Já a Periferia em Movimento conta que tem como base desde sua fundação o contato com o público para contrapor a cobertura das mídias tradicionais sobre as populações periféricas. “A gente sempre buscou construir uma relação respeitosa, de igual para igual com nossas fontes, que também são o nosso público”, afirma Thiago Borges, cofundador da organização. 

Confiança no jornalismo

Essas experiências de construção de um relacionamento com os leitores são essenciais para o enfrentamento da desconfiança no jornalismo. De acordo com o Digital News Report, pesquisa anual do Instituto Reuters que analisa o impacto global da indústria de mídia, a confiança na imprensa brasileira caiu de 48% (2021) para 43% (2022). O número já foi de 62% em 2015.

Uma das razões para o problema é o fato do público não se enxergar nas reportagens jornalísticas, ou mesmo pela falta de transparência no processo de produção das pautas. 

Para incentivar a participação pública, a Periferia em Movimento mantém uma pessoa articuladora nos territórios, que acompanha os encontros de coletivos, redes e fóruns nas periferias de São Paulo para entender as urgências e demandas. “Nesse sentido, é natural que essa relação de confiança resulte em pautas, seja o recebimento de denúncias de violência policial, ameaça de despejo de ocupações por moradia ou da situação crítica na cultura”, relata Borges. Ele destaca que o veículo também estimula a colaboração de leitores por meio de grupos de WhatsApp.

Essa articulação é a origem de diversas reportagens, como “Quando Ficar É Incerto: Prefeitura Interdita Casas em Parelheiros e Famílias Temem Parar na Rua”, que narra a interdição de 107 casas em áreas de risco em Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, onde a ocupação começou há cerca de 40 anos. Outro exemplo é a matéria sobre a saúde mental das pessoas que fazem panfletagem na rua em época de eleição.

Borges explica que o contato com a população também deu origem a projetos editoriais, como a seção “De Lupa na Arte”, que atende a demanda de um público especializado por resenhas críticas da produção artística nas quebradas. 

Para Afiune, enfrentar a desconfiança passa também por expor os bastidores da profissão. “Quando a gente faz uma iniciativa assim, temos a oportunidade de deixar claro como funciona o trabalho jornalístico e deixar o processo mais transparente”, completa.

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