Especial 2023: a liberdade de imprensa e o fim dos ataques a comunicadores devem ser prioridade no novo governo

Organizações da sociedade civil que atuam em defesa de veículos e de jornalistas compartilham suas previsões para o setor no próximo ano e apontam os caminhos para o fortalecimento da democracia brasileira

O ano de 2022 foi marcado pelo aumento sistemático no número de ataques contra jornalistas e comunicadores. Segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), os casos de ameaças e agressões físicas cresceram 73,4% de janeiro a novembro, em comparação com o mesmo período de 2021. Os números podem ser maiores dada a subnotificação por receio de retaliações adicionais. 

Tentativas de enfraquecer ou restringir o trabalho de jornalistas e veículos da imprensa, seja por ataques físicos e digitais ou por meio do assédio judicial, configuram uma violação ao direito das pessoas à informação e enfraquecem o processo democrático. 

Para sensibilizar a sociedade sobre o grave problema, a Ajor (Associação de Jornalismo Digital) se uniu a outras organizações que atuam em defesa da liberdade de imprensa e pelo direito ao acesso à informação. Durante todo o ano, a coalizão trabalhou para dar visibilidade a casos de perseguição contra jornalistas, promoveu e participou de encontros em defesa da liberdade de imprensa e pressionou autoridades e partidos políticos pela garantia da segurança de veículos e seus profissionais.

Além disso, as organizações acompanharam de perto as investigações sobre o assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, mortos em junho durante expedição no Amazonas. 

No dia 7 de dezembro, parte do grupo também se reuniu com o Gabinete de Transição do Governo Federal para apresentar um diagnóstico sobre as crescentes ameaças contra a prática jornalística no Brasil e propor recomendações ao novo governo sobre o tema. 

Representantes de algumas destas organizações resumem à Ajor suas previsões para o jornalismo no próximo ano e compartilham o que planejam fazer, dentro de suas respectivas áreas de atuação, para fortalecer ainda mais o setor e mitigar a violência contra comunicadores. 

Associação de Jornalismo Digital (Ajor)

“No ano de 2022, o jornalismo sofreu com pressões de diversos atores, em especial do governo federal e de seus aliados próximos, que se dedicaram a atacar o jornalismo investigativo e independente. Além da ausência de transparência, a violência contra jornalistas permitiu uma atmosfera que trouxe insegurança ao trabalho jornalístico, em especial aquele realizado por organizações nativas digitais. Sabemos que não há democracia sem liberdade e diversidade de imprensa. No próximo ano, a Ajor vai seguir trabalhando para solidificar e fortalecer o jornalismo de qualidade, diverso e independente que é fundamental à democracia.”

Natalia Viana, Presidente

Instituto Tornavoz

“O silenciamento como estratégia de combate político vem crescendo e o Poder Judiciário ganhando papel central na definição de limites à liberdade de expressão e de imprensa. Nesse cenário, a utilização de processos judiciais para intimidação de jornalistas e veículos de comunicação é a maior preocupação do Tornavoz para o ano de 2023. O instituto seguirá trabalhando ao lado das relevantes organizações que atuam em defesa do jornalismo, como é o caso da Ajor, com foco naquilo que é sua missão principal: garantir defesa judicial àqueles que forem alvo de assédio judicial e não tenham condição de contratar advogados(as).” 

Charlene Nagae, Diretora executiva 

 Associação de jornalistas de educação (Jeduca)

“A educação, o jornalismo e, mais especificamente, o  jornalismo de educação sofreram com a falta de diálogo e interlocução com o governo federal nos últimos anos. A educação também foi uma área muito impactada negativamente pela pandemia de Covid-19, com consequências e retrocessos que devem ainda ser persistentes nos próximos anos. Além da falta de diálogo, o Ministério da Educação teve quatro trocas de ministros em quatro anos, contou com denúncias de corrupção e cortes orçamentários muito significativos. O cenário para 2023, portanto, tanto para a área quanto para a cobertura, demanda muita atenção para políticas públicas educacionais que deem conta das demandas antigas e dos retrocessos, com necessidade clara de retomada de interlocução, transparência e cobrança por parte da imprensa e da sociedade de ações e de orçamento que estejam a altura de uma área tão estratégica para o desenvolvimento do país.”

Camilla Salmazi, Coordenadora executiva

Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) 

“Os ventos da mudança, típicos do período de Ano Novo, anunciam a perspectiva de ares menos turbulentos. Nós, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), sabemos que muitos problemas ainda estão no horizonte, mas confiamos que 2023 será de mais respeito a essa atividade profissional tão essencial para a sociedade. Para que esse propósito seja alcançado, continuaremos fazendo a nossa parte, dedicando esforços aos programas de proteção e segurança a jornalistas. Isso inclui lutar contra o crescente assédio judicial e, especificamente, contra o uso de Juizados Especiais Criminais (JECs) como mecanismo de intimidação estratégica – esperamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) acolha nossa tese e coloque freio a essa tática injusta. A mudança que depende de nós, com propostas de alterações de leis e outras ações capazes de melhorar as condições do trabalho jornalístico, está em curso para que 2023 seja um ano em que teremos menos a lamentar e mais a comemorar.”

Katia Brembatti, Presidente 

Instituto Palavra Aberta

“Espero que 2023 seja um ano em que possamos fortalecer a democracia brasileira, suas instituições – em especial a imprensa – e os preciosos direitos constitucionais que ela nos concede. Que possamos combater o ódio e a desinformação por meio da educação midiática e do entendimento correto do papel do jornalismo profissional, compreendendo a importância destes dois pilares para a garantia da nossa própria liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.”

Patricia Blanco, Presidente 

CPJ (Comitê para Proteção de Jornalistas)

“Nos últimos quatro anos vimos um aumento significativo dos ataques contra jornalistas e a ascensão de um forte discurso anti-direitos e anti-imprensa por parte de autoridades públicas no Brasil. Atacar jornalistas e descredibilizar a imprensa virou método de atuação política para impedir o debate sobre temas de interesse público e criar um ambiente de desinformação que, em última instância, enfraquece a democracia e a garantia de direitos. Espera-se que o novo governo federal, a partir de 2023, respeite o trabalho jornalístico e adote medidas concretas para proteção e promoção da liberdade de imprensa no país. No entanto, considerando que parte significativa de ataques e agressões a jornalistas acontecem na esfera local, será fundamental seguir monitorando atentamente tais ataques e garantir o fortalecimento de redes de apoio e resposta rápida, cobrando das autoridades que cumpram seu papel de atuar não só de forma reativa mas também de forma preventiva para que jornalistas e comunicadores possam trabalhar em segurança.”

 Renata Neder, Representante no Brasil 

Instituto Vladimir Herzog

“Esperamos que, a partir de 2023, o Estado brasileiro se engaje verdadeiramente na missão de garantir as condições necessárias para que o jornalismo exerça o seu papel de pilar do regime democrático. Não podemos mais conviver com ataques sistemáticos à imprensa, com agressões a jornalistas e comunicadores, e com a profusão da máquina de ódio e desinformação. A superação deste enorme e complexo desafio passa, necessariamente, por uma série de esforços, medidas e projetos desenvolvidos por toda a sociedade, mas em que o novo governo deverá ter, obrigatoriamente, um papel central. Neste sentido, nossa expectativa é que os direitos humanos e, mais especificamente, a liberdade de expressão sejam amplamente valorizados e estejam presentes nas políticas públicas desenvolvidas em todas as áreas da nova gestão. Este é o único caminho para que o Brasil volte a ser um país que respeite a diversidade que constitui a sua população. E, assim, comece a construir as bases de um país realmente mais justo e socialmente responsável.”

Giuliano Galli, Coordenador da área de Jornalismo e Liberdade de Expressão

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