Especialistas debatem financiamento do jornalismo em evento do Congresso em Foco

Por Tainah Ramos dez 11, 2023

Fundos públicos e remuneração pelas plataformas digitais estiveram entre os principais caminhos apontados em mesa com a participação da Ajor

Com o objetivo de debater a sustentabilidade do jornalismo, modelos de negócios, políticas públicas e aceleração tecnológica do setor, o Congresso em Foco, organização associada à Ajor, reuniu especialistas no evento “Caminhos para um Jornalismo Sustentável”, realizado na última quinta-feira (07).

Entre os convidados estiveram especialistas nacionais e internacionais em jornalismo distribuídos em três painéis. Diretora de Relações Institucionais da Ajor, Carla Egydio participou da segunda mesa do encontro com o tema “Propostas nacionais e internacionais de fortalecimento do jornalismo”, junto à deputada federal Carol Dartora (PT/PR) e os pesquisadores Michael Geist (University of Ottawa, Faculty of Law, Common Law Section) e Paul Matzko (Cato Institute Washington). O encontro foi mediado por Edson Sardinha, editor-executivo do Congresso em Foco.

Carol Dartora (PT/PR), parlamentar que compõe a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados, abriu o painel detalhando como o assunto foi debatido no Congresso ao longo do ano. “Não acumulamos força política necessária para avançar nesse tema. O que eu percebo é que precisamos avançar na compreensão social sobre a regulação das mídias em pontos primordiais, como a garantia da liberdade de imprensa.” Dartora defendeu uma regulação equilibrada que garanta a liberdade de imprensa e de expressão, ao mesmo tempo que freie o discurso de ódio. “Essa regulação tem que promover padrões éticos”, destacou.

Para o historiador de mídias de massas Paul Matzko, os veículos de comunicação precisam mais das big techs do que o contrário. Ele usou como exemplo a perda de tráfego dos sites jornalísticos na Espanha quando o Google News saiu do país, em 2014, em retaliação à lei 21/2014, que modificou disposições de propriedade intelectual e obrigou agregadores de notícias a pagar uma taxa de licenciamento coletiva para disponibilizar manchetes ou fragmentos de notícias.

Paul pontuou, ainda, que o sistema implantado no Canadá e na Austrália beneficia grandes conglomerados de mídia em detrimento de organizações menores ao abrir uma mesa de negociação entre a organização e o agregador de notícias.

A Austrália foi o primeiro país do mundo a forçar big techs a pagarem pelo conteúdo jornalístico que é compartilhado em suas plataformas, em 2021. A medida gerou resistência das companhias de tecnologia e efeitos  negativos como a concentração de recursos. Destaca-se, ainda, a falta de transparência nos acordos. Já o Canadá aprovou em 2023 o Online News Act (Lei de Notícias Online, em tradução livre), um projeto baseado  na iniciativa australiana, mas que buscou mitigar alguns dos impactos negativos da lei naquele país, garantindo que mais veículos tenham acesso a recursos. Em razão da aprovação da Online News Act, a Meta decidiu excluir o conteúdo jornalístico de suas plataformas. Já o Google anunciou a criação de um fundo de 100 milhões de dólares canadenses para o jornalismo.

Logo após Paul Matzko, a diretora de relações institucionais da Ajor, Carla Egydio, ressaltou que o jornalismo cumpre uma importante função social. “Garantir a sustentabilidade do jornalismo é também garantir os direitos da população inteira. Por isso é importante olhar em uma perspectiva pública e não só de uma perspectiva privada”, afirmou. “A preocupação de um fundo público tem que ser com o combate aos desertos de notícias”, defendeu.

Diretora de Relações Institucionais da Ajor, Carla Egydio participou da mesa “Propostas nacionais e internacionais de fortalecimento do jornalismo”. Foto: Paulo Negreiros.

Carla baseou sua fala na necessidade de compreender a complexidade do campo jornalístico  que demanda soluções complementares, com políticas públicas de fomento ao jornalismo. Como exemplo ela abordou os fundos públicos de países  como Holanda, Croácia, Dinamarca e Canadá.

Quanto à remuneração pelas big techs, Carla trouxe algumas provocações sobre a relação entre jornalismo e plataformas: “É verdade que os veículos ganham com distribuição e acessos por meio das plataformas, mas elas (big techs) também ganham com o conteúdo jornalístico? Fica essa pergunta. Há ganho em ter conteúdo jornalístico, em acesso, em credibilidade, em busca?”, questionou.

Em sua apresentação, Carla também compartilhou  o documento “Big Tech e Jornalismo: princípios para uma remuneração justa”, que propõe dez diretrizes para o financiamento de conteúdos jornalísticos pelas grandes plataformas digitais e foi assinado pela Ajor durante a conferência “Building a Sustainable Future for the Global South” (Construindo um Futuro Sustentável para o Sul Global, em tradução livre), em julho deste ano, em Joanesburgo, na África do Sul.

Por fim, o professor Michael Geist aprofundou o contexto canadense pré-aprovação da lei de regulação de mídia. “Em diversos países, a mídia está enfrentando questões de financiamento e audiência, principalmente ligadas à crise publicitária. Sabemos que uma imprensa sustentável é essencial para a democracia. Mas a questão que se levanta é: qual é a melhor forma de alcançarmos isso?”, afirmou.

Segundo ele, o governo canadense de Justin Trudeau inicialmente foi relutante sobre  o envolvimento público em questões de financiamento da imprensa. Isso mudou diante da crise iminente do setor, com constantes fechamentos de veículos. Foram criados, então, fundos públicos de financiamento de projetos e um sistema de taxas de crédito acessíveis para empresas jornalísticas. O lobby por acordos com as big techs, entretanto, cresceu no país, inspirado principalmente pela aprovação da lei australiana.

Geist também criticou a concentração de recursos que o modelo propõe.”Embora o governo canadense tente pautar a lei como uma vitória, a realidade é que muitos veículos canadenses estão perdendo dinheiro com a decisão, e poucos efetivamente terão acesso aos recursos destinados pela iniciativa”, afirmou.

Confira o evento na íntegra no Youtube.

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