Por que ainda não há checagem em tempo real nos debates na TV?

Por Tainah Ramos out 28, 2022

A Ajor conversou com especialistas em checagem de fatos e mídia televisiva para entender os desafios da verificação ao vivo das falas de candidatos

A cada debate eleitoral em emissoras de televisão, borbulham manifestações nas redes sociais pedindo para que haja checagem de fatos em tempo real e que as falas dos concorrentes sejam corrigidas ao vivo. 

“É uma ideia interessante pois parte do pressuposto de que, no momento em que estão de frente um com o outro e de frente com o público, os candidatos têm grande possibilidade de difundir mentiras ou mesmo enganos em suas informações”, afirma Maura Martins, editora da Escotilha e pesquisadora da televisão como mídia de difusão.

Na reportagem “A televisão está pronta para combater a desinformação?”, Maura cita dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que indicam que 96,3% dos domicílios brasileiros têm pelo menos um aparelho de televisão, contra 82,7% dos lares com acesso à internet. “Um dos grandes problemas hoje da checagem jornalística é que ela não necessariamente atinge as mesmas pessoas que fizeram a desinformação circular”, completa.

Por que ainda não há checagem na TV?

A verificação de fatos não é uma atividade simples de se colocar em prática. “Fazer checagem em tempo real demanda planejamento. É necessário fazer um acompanhamento sistemático das declarações dos candidatos, separar o que é recorrente, levantar dados sobre aquilo que é frequentemente dito em discursos e entrevistas”, explica a diretora e cofundadora do Aos Fatos, Tai Nalon.

A questão financeira também está em jogo. Martins explica que o ao vivo demanda uma equipe maior, com profissionais cada vez mais especializados e melhores ferramentas.

Embora a intenção de quem propõe a checagem em tempo real seja democratizar o acesso à informação verdadeira e ajudar o público a entender as ideias e propostas dos debatedores, a jornalista e CEO da Agência Lupa, Natália Leal, lembra que há um contraponto entre os políticos: “Acredito que há uma indisposição das campanhas em aceitar um debate em que haja checagem ao vivo dos candidatos, com a comunicação dessas checagens no mesmo ambiente. A figura de um checador que pode confrontar o candidato ou expor falas falsas dele pode ser um ponto de desequilíbrio no aceite de convites para debates”.

Metodologia e transparência

Outro debate em torno do tema é se, com uma checagem rápida, há o risco de aumentar a probabilidade de erros. “É necessária uma reflexão prévia sobre as condições e os princípios a serem contemplados nesta checagem, de modo a se assegurar sua legitimidade. No caso de uma acusação de uma correção com falhas, isso acarretará em mais confusão e desinformação, além de problemas para a própria empresa jornalística e danos para a credibilidade do jornalismo profissional como um todo”, alerta Martins, da Escotilha.

Esse é um ponto também trazido pela cofundadora do Aos Fatos, que afirma que é um desafio comunicar o motivo pelo qual determinada afirmação é falsa ou tem alguma imprecisão: “É melhor priorizar declarações mais simples, que têm dados que objetivamente confirmam ou contradizem o argumento”. Mesmo nesse caso, Nalon lembra que é importante ficar atento ao que a audiência diz e corrigir eventuais erros, caso tenha necessidade. “Como qualquer outra reportagem, há sempre o risco de o leitor ter uma interpretação diferente”, complementa.

O Projeto Comprova, no qual participam cinco organizações associadas à Ajor – Nexo Jornal, revista piauí, Alma Preta, Metrópoles e Jornal Plural –, não cobre discursos de candidatos diretamente, verificando apenas os conteúdos que viralizam nas redes sociais. Para isso,  a iniciativa utiliza um processo de checagem cruzada para que os relatórios sejam publicados. Nela, as informações são submetidas a uma espécie de revisão por pares para evitar erros. “Entendemos que esse é um processo que pode ser feito com agilidade, mas ele seria inviável de reproduzir num período curto de tempo como o de um debate”, aponta Sérgio Lüdtke, editor do programa de checagem.

As plataformas de checagem no Brasil passam anualmente por uma auditoria da IFCN (International Fact-Checking Network) – rede de verificação de notícias, criada pelo Instituto Poynter para promover boas práticas e diretrizes na área. Todas os veículos que integram a iniciativa devem disponibilizar em seus sites o detalhamento de como aplicam sua metodologia, desde a escolha das frases a serem checadas até a forma como apresentam os documentos usados para classificar informações.

Para Leal, é essencial garantir que o público saiba como o processo acontece: “Em um debate com checagem ao vivo, esse conteúdo precisaria ser transposto à TV para que o público saiba como a checagem será feita naquele evento. Isso não garante que não vá haver contestações, mas, ao menos, dá transparência ao processo”.

Difícil, mas não completamente impossível

Uma possível solução para incluir a checagem em tempo real nos debates é que os jornalistas presentes nos programas televisivos se preparem com informações que já tenham passado pelo processo de checagem pelas agências especializadas e possam expô-las quando uma afirmação citada por algum candidato for falsa ou imprecisa. Por exemplo, a Lupa publicou duas reportagens com as mentiras e exageros mais repetidos pelos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao longo de suas campanhas.

Imagem: Reprodução/Band TV

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