“Snow Fall”: os dez anos da reportagem multimídia que revolucionou o jornalismo digital

Pesquisador especializado na história do New York Times, Ismael Nafría explica como especial sobre avalanche nos Estados Unidos impactou a maneira de contar histórias na web

Em dezembro de 2012, o New York Times publicava o especial “Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek”, uma ambiciosa reportagem multimídia que contava a história de uma avalanche que aconteceu no estado de Washington, nos Estados Unidos, causando a morte de três esquiadores.

Assinada pelo jornalista esportivo John Branch, o conteúdo foi fruto de mais de seis meses de investigação e colaboração entre diversas equipes do jornal americano. Dividida em seis capítulos, a reportagem mistura texto com vídeos, fotografias, imagens de satélite e gráficos em movimento que aparecem conforme o usuário faz a rolagem das páginas. Um formato novo para a época.

Menos de uma semana após sua publicação, o especial teve mais  3,5 milhões de visitas e um pico de 22 mil usuários simultâneos. O sucesso de audiência do conteúdo e sua inovação de formatos narrativos renderam ao seu autor o Prêmio Pulitzer de 2013 na categoria “Feature Writing”, que laureia as melhores crônicas jornalísticas. 

“Snow Fall” é reconhecida por pesquisadores da mídia como um ponto de inflexão para o modelo de produção do New York Times e também para o jornalismo digital mundial. Foi um dos primeiros especiais de grande alcance a ser pensado exclusivamente para o consumo na web, com recursos narrativos em áudio e vídeo que não poderiam ser reproduzidos no impresso. 

Além disso, marcou um processo de amadurecimento sobre qual seria a estrutura ideal das redações digitais, que passaram a contar com equipes mais multidisciplinares e a dar mais valor ao design e à tecnologia. 

A Ajor conversou com Ismael Nafría, jornalista espanhol, professor e autor do livro “A reinvenção do The New York Times” sobre como a reportagem especial impactou o jornalismo. Ele explica o que mudou na produção de conteúdos digitais ao longo do tempo e quais projetos são, em sua opinião, os “Snow Falls” desta década. Nafría também é criador da “Tendenci@s”, newsletter quinzenal gratuita que discute inovação em meios digitais. 

Podemos dizer que existe um antes e um depois do “Snow Fall” para o jornalismo digital?

Nafría: Acho que a reportagem multimídia do NYT marcou um antes e um depois para o jornalismo digital em um aspecto específico: demonstrou o potencial da web para contar grandes – e longas – histórias multimídia,  aproveitando múltiplos formatos e os combinando de forma muito eficaz. E como fazê-lo muito bem, atraindo a atenção de milhões de pessoas que dedicaram muito mais minutos de leitura do que o normal em um site informativo. “Snow Fall“ chamou a atenção de profissionais de mídia de todo o mundo, que viram que era possível contar histórias dessa forma e que poderia funcionar muito bem para a audiência.

Como a produção do especial impactou o NYT e outros jornais?

Nafría: Para o NYT, o Snow Fall foi uma grande revelação, uma verdadeira revolução narrativa. Tanto que, internamente, a redação passou a utilizar o jargão “to snow-fall” para identificar e propor histórias que poderiam ser contadas de forma semelhante. O sucesso de audiência que a reportagem teve, tanto qualitativo como quantitativo, sem dúvida validou esta forma de encarar uma história, dedicando-lhe tempo e recursos. Desde então, muitas histórias do veículo optaram por essa ou fórmulas semelhantes.

E para outros jornais e mídias digitais, o fato do  NYT ter tido sucesso com essa forma de contar histórias foi o pontapé inicial para o lançamento de projetos semelhantes. Nos meses seguintes, grandes jornais de diversos países do mundo publicaram trabalhos impactantes na mesma linha. Lembro, por exemplo, de uma grande reportagem publicada em maio de 2013 pelo The Guardian na Austrália, intitulada “Firestorm”, sobre os grandes incêndios ocorridos no país. 

Hoje, 10 anos após sua publicação, como Snow Fall continua impactando o jornalismo digital e o que já mudamos na forma de contar histórias na web?

Nafría: Contar histórias nas quais se combinam textos, áudios, vídeos, gráficos, animações, interativos e qualquer outro formato já é algo natural nas mídias digitais. Naturalmente, ao longo dos anos, foram introduzidas novidades, novas narrativas por exemplo, navegações horizontais também promovidas pelas redes sociais e outros formatos, mas a essência de contar histórias de maneira interessante é semelhante.

Quais tendências você vê para o jornalismo digital em 2023?

Nafría: Acredito que um dos principais desafios do jornalismo digital é atrair a atenção dos usuários da forma mais eficaz possível, fazendo com que o público confie no veículo. Nesse sentido, novas fórmulas narrativas que surgiram ou estão surgindo, alternativas ao artigo tradicional, merecem muita atenção. Pessoalmente, tenho muito grande interesse na fórmula “Smart brevity” da Axios, ou a aposta da Semafor com seu “Semaform”. Uma das chaves para o sucesso é a transparência: explicar bem ao público como funcionam os meios de comunicação e como trabalham seus  jornalistas.

Na sua opinião, existe alguma outra produção que revolucionou o jornalismo digital como fez “Snow Fall”? 

Nafría: Eu mencionaria duas coisas. Por um lado, acho que o New York Times e o Washington Post fizeram nos últimos anos no campo do vídeo com as “Visual Investigations” ou o “WP Visual” representam um salto qualitativo importante quando se trata de contar histórias. Assim como fizeram também outros projetos no campo do  jornalismo de dados. 

Por outro lado, considero muito relevante a colaboração entre jornalistas e meios de comunicação de todo o mundo em vários projetos de jornalismo investigativo. São trabalhos que único meio não seria capaz de lidar, e só foram possíveis por causa da colaboração.

Imagem: Reprodução/New York Times

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