Unicap e rede de jornalistas do NE lançam pesquisa inédita e aplicativo curador de conteúdo para cegos

Por Victor Moura abr 12, 2022

Estudo que revelou falta de acessibilidade em sites jornalísticos deu base à criação do aplicativo Lume, produzido por 9 organizações do jornalismo independente. 

A Marco Zero Conteúdo e a Universidade Católica de Pernambuco publicaram nesta segunda (11) os resultados de um amplo estudo para entender o consumo e a oferta de notícias para população cega e com baixa visão. Os dados são parte do projeto Acessibilidade jornalística – um problema que ninguém vê”, vencedor do desafio de inovação do Google News Initiative.

De acordo com a pesquisa, 71,7% dos jornalistas indicaram que têm pouco ou nenhum conhecimento sobre técnicas de acessibilidade para deficientes visuais e que este grupo não é destinatário de pautas e reportagens em 90,6% dos conteúdos produzidos. Além disso, somente 37,7% dos jornalistas que responderam aos formulários já contribuíram com reportagens adaptadas a pessoas cegas ou com baixa visão e quase a totalidade das organizações (98,1%) não contam com pessoas com este tipo de deficiência em suas equipes.

O estudo deu origem ao Lume aplicativo que oferece conteúdo acessível e de qualidade produzido por nove organizações de jornalismo independente do Nordeste: Marco Zero  Conteúdo, Olhos Jornalismo, Agência Saiba Mais, Agência Diadorim, Newsletter Cajueira, Eco Nordeste, Agência Retruco, Revista Afirmativa e Mídia Caeté O produto, que funciona como um curador de conteúdos, já está disponível para download na Play Store

 “Em linhas gerais, os resultados indicam um nível muito baixo de conhecimento e de iniciativas por parte dos jornalistas sobre o tema, apesar de saberem da importância de ações que aumentem a inclusão no consumo de jornalismo sério e de interesse público em um cenário caótico de desinformação no qual o Brasil está mergulhado”, resume Carolina Monteiro, coordenadora geral do projeto, diretora da Escola de Comunicação da Unicap e jornalista da Marco Zero. “Na outra ponta, há um grupo de pessoas que demonstra familiaridade com o universo digital, mas têm dificuldades em encontrar informação de qualidade disponível de forma mais acessível”.

Metodologia de pesquisa 

Foram realizadas entrevistas em profundidade com 17 pessoas que apresentam diferentes níveis de cegueira ou baixa visão em várias regiões do Brasil. Esse grupo respondeu sobre como se sente em relação à inclusão e à representatividade nos conteúdos jornalísticos de sites e redes sociais, a relação com as fake news e a desinformação e também como lidam com este tipo de conteúdo. Em paralelo, um questionário online foi respondido por 53 organizações jornalísticas brasileiras para entender a relação dessas redações com os protocolos de acessibilidade e se esta forma de inclusão era uma questão para os veículos na hora de pensar, produzir e distribuir seus conteúdos. 

Os indicadores indicam um nível muito baixo de conhecimento e de iniciativas por parte dos jornalistas sobre o tema. Ainda no âmbito da pesquisa, dois consultores cegos fizeram testes de acessibilidade nos sites das 9 organizações que compõem o projeto e também nos doze sites jornalísticos de maior audiência no Brasil, de acordo com o Digital News Report 2021, da Reuters Institute. O objetivo foi medir a acessibilidade desses sites e criar um ranking a partir dos resultados. 

Para verificar os 21 endereços, o publicitário Michel Platini e a consultora em acessibilidade Bruna Alves utilizaram uma lista com 13 pontos indicados pela Cartilha de acessibilidade na web da W3C, organização internacional de padrões na internet. Os pontos foram divididos em níveis, do básico ao avançado. “Nenhum site sequer cumpriu com todos os critérios do nível básico”, aponta Michel em reportagem publicada na Marco Zero. Os resultados de todo este trabalho de pesquisa foi aplicado na concepção do aplicativo Lume.

A ideia do projeto

A ideia de pesquisar como é a inclusão de pessoas cegas e de baixa visão no consumo do jornalismo partiu da jornalista Mariana Clarissa, quando era aluna no Mestrado em Indústrias Criativas da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). “Entrei no curso com a ideia de criar um agregador de notícias. Queria fazer algo pensando em diversidade, mas focado em igualdade racial, porque sou negra. Mas quando me aprofundei vi que já havia vários veículos pautando a discussão racial”, conta. Foi no trabalho, em uma secretária estadual que atende pessoas com deficiência, que ela encontrou o tema do projeto. “São pessoas que não têm tanto acesso à informações de qualidade e não tem ninguém falando sobre isso”, lamenta.

No mestrado, com orientação dos professores Luíz Carlos Pinto e Anthony Lins, Mariana chegou a desenvolver um protótipo do que seria o Lume, mas foi o aporte do Google News Initiative que permitiu expandir a pesquisa e lançar o aplicativo no mundo. “Com esse edital do GNI, o projeto ganhou corpo, expertise e uma equipe muito forte e com muita bagagem para “dar sustância”. A idealizadora complementa que o aplicativo ajuda no combate à desinformação também ao fortalecer um hábito de leitura mais profundo. “As reportagens na curadoria do Lume são de veículos que trazem conteúdos mais estruturados, com muitas fontes, com personagens que nem sempre são ouvidos no jornalismo tradicional. Acredito que a leitura dessas reportagens vai oferecer uma visão e um senso crítico maiores, ampliando a consciência política e social”, afirma Mariana

Um dos aspectos apontados na pesquisa para a não implementação de políticas de acessibilidade nas redações é a falta de recursos financeiros para programas de treinamento de equipes que elaborem e desenvolvam conteúdos acessíveis e a infraestrutura necessária. 

Para o coordenador de design e desenvolvimento do projeto, o professor da Unicap Anthony Lins, a acessibilidade é uma questão que pode ser resolvida sem tantos custos em softwares. “O custo é mais no tempo de trabalho que as informações têm que ser descritas. E do interesse do grupo jornalístico em ter essa acessibilidade”, afirma.

Crédito da imagem: Niedja Dias/Unicap. 

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