Jornalismo em quadrinhos traz profundidade para pautas

Por Tainah Ramos jul 18, 2023

Produção de reportagens no formato ainda vive preconceito, mas tem ganhado cada vez mais reconhecimento

O jornalismo em quadrinhos (JHQ) vive sua “era de ouro” no Brasil, ao mesmo tempo que surgem dúvidas sobre o formato e até mesmo sobre sua credibilidade jornalística. As próprias produções em histórias em quadrinhos, ficcionais ou não, demoraram para ser reconhecidas como literatura por estarem associadas ao público infantil e às narrativas de super-heróis.

Esse gênero híbrido ganhou seu nome na década de 1990, a partir da publicação de “Palestina”, do jornalista Joe Sacco (1996), uma longa reportagem em quadrinhos que é considerada o marco inicial dessa fusão.

Organização associada à Ajor, a revista O Grito!, sediada em Recife (PE), ampliou sua cobertura cultural com um selo dedicado à publicação de HQs. Entre os eixos que serão publicados está a editoria do site “HQ de Fato”, que reúne produções jornalísticas em quadrinhos. Um exemplo é “Diamante Negro”, matéria do jornalista GG Albulquerque com a ilustração e narrativa visual da quadrinista Marília Marz. 

A reportagem narra a história de Eduardo das Neves, o primeiro cantor negro a gravar uma música no país. Responsável pela edição do material, o editor-chefe do veículo, Paulo Floro, explica que o formato foi essencial e não teria um grande impacto apenas em texto, uma vez que não há imagens do cantor e, assim, as ilustrações dão vida a ele.

“Quando fizemos um debate em São Paulo para divulgar o HQ de Fato, as pessoas tinham muitas dúvidas. O jornalismo em quadrinhos é um quadrinho para todos os efeitos. Você bate o olho e vê que é um quadrinho. Mas também é jornalismo. Talvez ele seja ainda mais jornalismo, porque não pode nunca tirar o pé desse campo, que tem uma série de marcadores importantíssimos, como a apuração e a veracidade dos fatos”, afirma Floro.

Derrubando mitos

É justamente a questão da “credibilidade” e da “visão imparcial” que gera preconceito contra o jornalismo em quadrinhos – o que é refutado pela jornalista e quadrinista Gabriela Güllich: “Não existe imparcialidade. Tudo é escolha do repórter, o modo de escrever, as fotografias utilizadas. Dentro do jornalismo, temos que desmistificar essa questão de que o desenho traz parcialidade, porque afinal de contas o jornalismo é parcial. Já com o público, a questão é realmente de educar e tirar essa visão infantil dos quadrinhos enquanto plataforma”, relata.

Uma das vantagens que Güllich enxerga nos quadrinhos para o jornalismo é a proteção da fonte. Ao trazer uma entrevista em que uma pessoa não pode ser identificada por segurança – ou não deseja ser identificada –, diferente da televisão ou do áudio, não é necessário borrar imagens ou utilizar efeitos de distorção.

“Você consegue criar a imagem de uma pessoa para quem está lendo conseguir associar a informação. Por mais que você esteja desenhando com outras características para proteger a pessoa, ainda assim, você linca a informação a alguém. Não é só um texto ou só uma frase, uma voz de robô. Particularmente, acredito muito na imagem e em construí-la com as fontes, deixando que elas escolham como querem ser desenhadas.”

Güllich, ao lado do jornalista João Velozo, é autora do livrorreportagem em quadrinhos “São Francisco”. Juntos, eles percorreram durante 18 dias mais de 2.500 quilômetros do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco, no Nordeste Brasileiro. 

Trecho da obra “São Francisco”, de Gabriela Güllich e João Velozo. É possível adquirir o livro diretamente com a autora via Instagram (@fenggler).

Para ela, a principal beleza do JHQ é a dinamicidade dada às narrativas por meio das “sarjetas” – espaços em branco entre um quadro e o outro. “Eu desenho uma entrevista que aconteceu na beirada da mesa de um homem que foi mostrar o rio para gente, eu posso ter um quadro de movimento, um quadro que foque na mão, entre outros. O que acontece entre um quadro e outro é o que traz dinamicidade, fazendo com que o leitor entre na cena e se imagine naquele ambiente.”

Pensar pautas em quadrinhos

Tanto para Floro quanto para Güllich, as melhores pautas para produzir em HQ são aquelas que os profissionais tenham tempo suficiente para apurar, desenhar e revisar. Essa é uma produção de longo prazo e pautas frias. 

São essas reportagens de profundidade que têm se revelado a “era de ouro” do formato no Brasil, sendo celebradas nas principais premiações jornalísticas do país, como “Três mulheres da Craco”, da jornalista e quadrinista Carol Ito, publicada na revista piauí, e vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de 2022.

“O jornalismo em quadrinhos não é um modo de ‘facilitar’ o entendimento de um assunto, na maioria das vezes, ele vem para aprofundar, trazendo novos contornos que a gente não tinha”, conclui Floro.

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